A falta de segurança pública mata a saúde

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Ambientes dominados pela violência e pelo medo geram efeitos profundos e duradouros sobre o corpo e a mente, comprometendo redes de cuidado

No filme da campanha publicitária The Lost Class, um defensor de armas de fogo foi convidado para fazer um discurso de formatura “simbólica” para 3.044 cadeiras vazias, exatamente o número de alunos vítimas da violência armada nos EUA em 2021. Ao chamar atenção para vidas tão jovens ceifadas pela violência, a campanha levantou uma questão séria que extrapola fronteiras e atinge todo o globo, com efeitos devastadores sobre as famílias e empresas, para a economia e o futuro.

A violência sempre acompanhou a humanidade e está presente na passagem bíblica que levou à morte de Abel pelo seu irmão, Caim, considerado o primeiro registro de homicídio da história. Passados quase seis mil anos, o impacto econômico mundial da violência atingiu, em 2023, US$ 19,1 trilhões, o equivalente a 13,5% do PIB global, ou US$ 2.380 por pessoa, segundo o Global Peace Index 2024.

Na América Latina e Caribe, o gasto no combate ao crime representa o dobro dos orçamentos destinados a assistência social, 12 vezes o que é dirigido a pesquisa e desenvolvimento e 80% dos orçamentos públicos que os países destinam para a educação. A região, que abriga 8% da população mundial, concentra um terço de todos os homicídios registrados no mundo, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

No Brasil, especificamente, a violência abocanhou 11% do Produto Interno Bruto (PIB), ou mais de R$ 1 trilhão em 2023. Entre outros números, o país registrou um caso de estupro a cada seis minutos; dois roubos ou furtos de celulares por minuto; e 46.328 mortes violentas intencionais. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. Este cenário faz da violência, hoje, a principal preocupação dos brasileiros.

Em suas múltiplas formas – urbana, doméstica, institucional – a violência é também uma epidemia. Como toda epidemia exige vigilância, resposta articulada e, sobretudo, compromisso com a dignidade humana. Ambientes dominados por ela, pela falta de segurança e pelo medo geram efeitos profundos e duradouros sobre o corpo e a mente. Comunidades são silenciadas; serviços, paralisados; redes de cuidado se fragmentam e impedem a prevenção. A insegurança pública, portanto, nos adoece.

Abordar a temática da segurança pública é defender vidas. E falar de vida é, inevitavelmente, falar de saúde. Por isso, é importante analisar o problema de forma ampla, integral e conectado com os chamados determinantes sociais que verdadeiramente levam à satisfação das pessoas, como educação, moradia, saneamento básico, emprego, renda, alimentação, cidades e locais de trabalho mais saudáveis, proteção ao meio ambiente, cultura, lazer, entre outros.

Papa Francisco, liderança que defendia a humildade, a tolerância e a inclusão, dizia que “apenas os que dialogam podem construir pontes e vínculos”. Territórios mais seguros precisam ser construídos com a presença do Estado, através do diálogo com a sociedade e de políticas integradas, abrindo caminhos para que a saúde floresça e novas oportunidades sejam criadas, principalmente para os jovens. Segurança pública não é só polícia. É política. É planejamento. É, acima de tudo, cuidado.

Francisco Balestrin

Médico e presidente da Federação e do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (FESAÚDE e SindHosp)

Artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 19 de junho de 2025.

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