Só metade dos laboratórios tem controle de qualidade

Menos da metade dos 16 mil laboratórios de diagnóstico do país tem controles internos de qualidade, e apenas uma parcela mínima (2%) passa por auditorias externas ...

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Falta de vistoria regular pode levar a erro de diagnóstico; há 1.780 ações desde 2008

Menos da metade dos 16 mil laboratórios de diagnóstico do país tem controles internos de qualidade, e apenas uma parcela mínima (2%) passa por auditorias externas (acreditadoras) que avaliam seus processos. O setor movimenta R$ 12 bilhões por ano.

Os dados, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), ajudam a explicar o número de ações por erros de exames clínicos e de imagem que tramitam nos Tribunais de Justiça do país.

Entre 2000 e 2007, houve 1.509 processos contra laboratórios, segundo pesquisa nacional feita pelo bioquímico Humberto Tibúrcio, do Sindlab (Sindicato dos Laboratórios de Minas Gerais).

Já entre 2008 e o início deste ano, a Folha localizou 1.780 ações (julgadas em segunda instância, a única que permite pesquisa livre) por danos morais contra o setor da medicina diagnóstica.

Só no Tribunal de Justiça de São Paulo, foram 449 processos, 72% deles especificamente sobre denúncias de erros de exames. Testes falso-positivos de HIV, hepatites, sífilis, gravidez e DNA lideram as queixas (38% delas).

Muitos exames têm limitações metodológicas. No caso do HIV, há mais de 70 fatores que podem causar uma reação falso-positiva, incluindo a gripe e a gravidez.

Por isso, o procedimento padrão em casos de resultado positivo para HIV é fazer a contraprova por meio de outro tipo de exame, o Western Blot. O Ministério da Saúde recomenda que os laboratórios avisem os pacientes sobre a limitação do exame.

“Todo mundo sabe que tem de fazer aconselhamento do paciente, mas poucos fazem”, afirma Tibúrcio.

Nas ações, há também queixas de trocas de laudos (a imagem é de um paciente, e o laudo de outro) ou erros de resultados (positivo por negativou vice e versa) e de exames que apontam, erroneamente, um câncer.

Em um papanicolaou de rotina, por exemplo, Ismênia Costa recebeu o diagnóstico de câncer de colo de útero em estágio avançado (grau 3).

Indenização
O ginecologista pediu uma biopsia, que deu negativa. Solicitou, então, que ela repetisse o exame no mesmo laboratório. O resultado dessa vez, veio negativo. O laboratório foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil.

“Erros de laboratórios são evitáveis na maioria das vezes. No Brasil, a gente não está tratando bem essa questão”, diz Wilson Shcolnik, diretor de acreditação e qualidade da SBPC/ML.

A partir de setembro, por resolução da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), os planos terão que divulgar quais os laboratórios da sua rede são qualificados.

Segundo Shcolnik, a fase pré-analítica é a que apresenta maiores taxas de erros (entre 54,5% e 88,9%, segundo estudos internacionais).

“Não tem melhoria só com maquinário. A qualidade está na educação continuada”, diz Humberto Tibúrcio.

Expansão da rede de diagnósticos aumenta equívocos, dizem médicos

O setor de medicina diagnóstica vive um momento histórico de expansão, com laboratórios inaugurando novas filiais e comprando concorrentes. No meio médico, isso é apontado como um dos fatores que levam a mais erros em exames.

Não é o que pensam as empresas do setor. “É possível crescer com qualidade. Para isso, os controles têm que ser rigorosos, e os processos padronizados e sistematizados”, afirma Paulo Zoppi, do laboratório Salomão Zoppi,

Zoppi e Luiz Salomão inauguraram em fevereiro a quinta unidade de atendimento da rede, todas localizadas na capital paulista. O faturamento estimado para este ano é de R$ 130 milhões – 30% maior do que o de 2011.

Omar Magid Hauache, presidente do grupo Fleury, afirma que, manter a qualidade é o principal cuidado e desafio da empresa que, na última década, fez 26 aquisições.

A “a+ Medicina Diagnóstica”, lançada em maio do ano passado, absorveu, por exemplo, 13 marcas – como o Campana, que tinha oito laboratórios em São Paulo.

“Isso veio ancorado em certificações nacionais e internacionais. A gente é permanentemente auditado.”

Isso isenta os laboratórios de erros? “É claro que não, mas faz com que a cultura da qualidade seja ainda mais sedimentada”, afirma Hauache.

E o que previne os erros? “Um boa orientação ao paciente sobre o preparo do exame já minimiza muito.”

Laboratório que erra costuma ser isento de culpa

No último ano, tem sido frequente laboratórios de medicina diagnóstica serem absolvidos em denúncias sobre erros de exames.

Em 60% dos casos avaliados pela Folha no TJ de São Paulo, os laboratórios foram isentos de culpa, e o paciente teve que arcar com as custas do processo. No restante, as indenizações por danos morais ou materiais chegaram a R$ 120 mil.

“É a grande novidade. Os laboratórios estão começando a ganhar as ações porque tiveram boas práticas e comprovaram isso por meio do Código de Defesa do Consumidor e das normas do Ministério da Saúde”, afirma Humberto Tibúrcio, que prepara um novo livro sobre isso.

Um decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), do ano passado, é um exemplo de como tem sido a argumentação dos juízes e desembargadores nesses casos.

A ação foi movida por uma moradora de Camaquã (Rio Grande do Sul) contra o laboratório de análises clínicas do município. Ela recebeu um teste de HIV falso-positivo e entrou com ação de danos morais por ter sofrido “angústia e humilhação”.

Em sua defesa, o laboratório alegou que procedeu de acordo com a portaria do Ministério da Saúde e que, no laudo, havia a informação de que o resultado não era definitivo, sendo “obrigatória a confirmação pelo método Western blot e repetição em nova coleta”.

A ação foi julgada improcedente em primeira instância. O juiz argumentou que resultados “falso-positivos” são da natureza dos métodos empregados para a realização dos exames. “Não se pode imputar aos réus erro na execução do serviço contratado”. Na segunda instância, ocorreu o mesmo.

A paciente recorreu, então, ao Superior Tribunal de Justiça, que manteve as decisões das instâncias anteriores.

Outro argumento, muito utilizado em outras decisões judiciais, é que o exame deve ser interpretado pelo médico, e o paciente não deve antecipar-se, buscando informações por conta própria. “O leigo, por ser leigo, não tem condições de realizar interpretações”, escreveu um juiz.

Fonte: Folha de S. Paulo

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