Hoje não existe nenhuma terapia para os efeitos fisiológicos da radiação; produtos podem ser úteis em situações como o acidente da usina de Fukushima ou do césio-137, em Goiânia
Graças a um enorme investimento do governo americano, remédios para tratar intoxicação por radiação devem ser aprovados nos próximos anos. Por enquanto, o único tratamento disponível são as cápsulas de iodo que impedem a fixação de iodo radioativo no organismo. Mas não há qualquer terapia para os efeitos fisiológicos da radiação. Cinco drogas já apresentam resultados promissores.
Em 2004, o congresso americano aprovou o Projeto BioShield e, dois anos depois, o Ato para Prevenção de Pandemias e Outras Ameaças. Na prática, bilhões de dólares foram liberados para pesquisas médicas úteis em situações de emergência, como ataques terroristas nucleares, químicos e biológicos. Cerca de US$ 500 milhões financiaram estudos relacionados ao tratamento e à prevenção da síndrome aguda da radiação (SAR), doença associada à exposição a altas doses de radiação ionizante em um curto período de tempo.
Os novos remédios também servirão para situações de crise nuclear, como o acidente na usina nuclear soviética de Chernobyl, em 1986, ou a catástrofe de Fukushima, no ano passado, quando um tsunami devastou a costa japonesa. No Brasil, essas drogas teriam ajudado, por exemplo, a diminuir os danos do acidente com o césio-137, em Goiânia, quando uma cápsula de material radioativo de um aparelho de raio-X foi desmontada em um ferro velho, um ano depois de Chernobyl. Onze pessoas morreram e cerca de 600 foram contaminadas.
De acordo com o cientista José Roberto Rogero, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), com pequenas adaptações, esses medicamentos também poderão ser úteis para diminuir os efeitos adversos associados à radioterapia. “Poderão servir, por exemplo, para proteger as células saudáveis do organismo.”
Terapias atuais – Hoje, os tratamentos disponíveis só servem para diminuir os sintomas, que costumam variar de enjoo e dor de cabeça à síndrome hematopoiética – falência das células responsáveis pela produção do sangue, com a consequente diminuição no número de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Daí a necessidade de transfusões, antibióticos e suplementos de fluidos. Drogas oncológicas são usadas para estimular o funcionamento do sistema imune.
Se a exposição à radiação for maior, pode ocorrer a síndrome gastrointestinal, com hemorragias no sistema digestivo, mais difícil de ser tratada, que pode levar à morte em cinco dias. Nos casos mais graves, chega-se à síndrome do sistema nervoso central, quando neurônios – as células mais resistentes à radiação – morrem. O quadro de agonia dura poucas horas e é sempre fatal.
Rogero recorda que o principal efeito da radiação é a produção de radicais livres. “A radiação atinge as moléculas de água e oxigênio, abundantes no organismo, e produz os radicais livres, que começam a reagir e alterar diversas estruturas celulares, como o DNA e a membrana”, afirma. “A maioria das novas drogas atua como antioxidante, ou seja, tenta diminuir o estrago causado pelos radicais livres. O ideal, portanto, é que sejam tomadas antes da exposição para evitar os danos.”
No País, alguns pesquisadores estudam a atividade do resveratrol, um antioxidante natural presente no suco de uva e no vinho. Rogero, por exemplo, testa a substância em culturas de células expostas à radiação. “Já percebemos que em pequenas doses, ele possui uma ação radioprotetora”, descreve o cientista. “Em doses maiores, funciona como radiosensibilizador, amplificando o efeito da radiação.”
Aquilino Senra, vice-diretor da Coppe-UFRJ, prevê que a criação de medicamentos eficazes para tratar a síndrome pode diminuir o temor nuclear. Em 2011, a Alemanha anunciou que pretende desligar todas suas usinas nucleares até 2022. “É uma medida inconsistente”, afirma Senra. “Ela ainda vai comprar energia de matriz nuclear da França e da República Checa.”
“Ainda não sabemos qual será o mercado dessas drogas”, afirma Ramesh Kumar, presidente da Onconova, uma das empresas que desenvolvem os novos medicamentos. Ele aponta que os principais compradores serão os governos, mas teme um mercado excessivamente restrito.
Fonte: O Estado de S. Paulo