Governo vai afrouxar regras para aprovar médicos formados em países do exterior

O governo vai afrouxar as regras para que médicos formados no exterior trabalhem no Brasil. A ideia é flexibilizar a exigência ou até dispensar estrangeiros e brasileiros ...

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Entre as medidas está dispensar graduados de fazer o exame para revalidar diploma

O governo vai afrouxar as regras para que médicos formados no exterior trabalhem no Brasil. A ideia é flexibilizar a exigência ou até dispensar estrangeiros e brasileiros graduados em faculdades como as da Bolívia, por exemplo, de fazer o exame para revalidação do diploma (Revalida), tido hoje como a principal barreira para a entrada de profissionais de baixa qualidade no mercado brasileiro.

A estratégia começou a ganhar contornos no último mês, após a presidente Dilma Rousseff encomendar um plano para ampliar rapidamente a oferta de profissionais de saúde. O plano é trabalhar em duas frentes: ampliar os cursos de Medicina e, enquanto a nova leva de profissionais não se forma, incentivar o ingresso de profissionais que cursaram faculdades estrangeiras.

A estimativa oficial é de que haja 291,3 mil médicos no Brasil ou 1,6 para cada mil habitantes. Nos Estados Unidos, a relação é de 2,5 por mil e no Uruguai, 3,3 por mil. O cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene defende a adoção de uma estratégia que tenha foco na qualidade do profissional. “O País precisa de mais médicos, mas não a qualquer custo.” Isso vale tanto para a criação de novos cursos quanto para a admissão de formados no exterior. “É preciso que novas vagas para Medicina sejam criadas em locais com estrutura, com hospitais de apoio e professores de qualidade”, avalia.

Por ordem da Casa Civil, um levantamento das alternativas para facilitar o visto de trabalho de médicos formados no exterior está em curso. Os Ministérios da Saúde e da Educação trabalham para criar opções para o exame de validação do diploma. Uma das ideias é a criação de uma espécie de estágio para graduados em uma lista de faculdades, ainda em elaboração.

Remunerado pelo governo, o curso teria duração de até dois anos. Nesse período, o profissional trabalharia na rede pública, principalmente no Programa de Saúde da Família (PSF). Parte da equipe defende que, ao fim da preparação, o profissional tenha o direito de seguir trabalhando no País, sem fazer a prova para validar o diploma.

Resistência – A proposta enfrenta resistência no Conselho Federal de Medicina e até no governo. Mas há setores que defendem flexibilização maior: a validação automática do diploma do exterior para médicos formados num determinado grupo de faculdades. Além de aspectos técnicos, a equipe avalia detalhes jurídicos para pôr em prática as medidas.

O governo, que sabe ser preciso propor alterações na lei, nega-se a falar sobre o assunto, mas técnicos trabalham a toque de caixa para atender ao pedido de Dilma. Quinta-feira, em Nova Deli, ela voltou a apontar a carência de profissionais e adiantou que o País terá de fazer esforço para ampliar o atendimento.

A carência de profissionais é acentuada em regiões como a Norte. A disparidade é enorme entre o SUS e a rede privada, que concentra pessoal. O problema atinge principalmente as especialidades médicas. Atualmente, 24% das vagas de residência médica não são ocupadas. Na medicina de família e intensiva, a ociosidade alcança 70%.

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila, contesta as estatísticas oficiais. “Estudos mostram que no País não há falta de profissionais, mas uma distribuição desigual.” Para ele, o problema não se revolve com a abertura de escolas ou regras mais flexíveis. “Imagine as consequências de deixar uma pessoa sem boa formação. Vamos ofertar um profissional mal preparado só porque a população vive em áreas afastadas? Por que depende do SUS?”

Senadora diz que barreiras são corporativas
A resistência em aceitar médicos “estrangeiros” só existe para defender interesses corporativos, diz a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM). “O médico brasileiro está onde o dinheiro está. Só quem conhece bem o interior do Norte, do Nordeste, sabe a dificuldade de arrumar um médico disposto a trabalhar no sistema público.”

Ela diz que já viu médicos de várias nacionalidades atuando. A própria senadora, durante campanha, foi atendida por um médico peruano. “Deu tudo certo. Fui medicada, fiquei boa. Se ele não tivesse ali, quem me atenderia?”

Ela é autora de um projeto para alterar as regras de validação do diploma no Brasil. O senador Roberto Requião (PMDB-PR) tem iniciativa semelhante. “Os projetos estão lá para serem discutidos. Claro que a proposta vai mudar bastante. Mas não podemos conviver com este problema. É preciso colocar em prática novas estratégias para garantir atendimento a todos.”

Exame aprovou apenas 12% no ano passado

Instrumento de reserva de mercado para uns e exame de alta qualidade para outros, o Revalida aprovou, na edição de 2011, 12% dos 677 candidatos. Um resultado que pode ser considerado pífio, mas muito melhor do que o apresentado na prova-piloto de 2010. Naquele exame, dos 628 candidatos, só 2 tiveram permissão para trabalhar no País.

“O instrumento é ótimo, está perfeitamente ajustado. Acho que seria uma pena criar alternativas”, afirmou o ex-secretário de Gestão e Trabalho do Ministério da Saúde, Milton Arruda. Feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o exame tem prova teórica e prática.

Antes do Revalida, o reconhecimento de diplomas estrangeiros de médicos era feito com critérios próprios, adotados por universidades públicas que aplicavam suas próprias provas. “Agora temos um sistema misto. Algumas universidades mantiveram seus exames. Mas boa parte aderiu ao exame único, feito pelo Inep”, disse Arruda.

O ex-secretário atribui o baixo índice de aprovação à qualidade dos candidatos. “Não é um exame que pede o impossível. Ele exige conhecimentos básicos.” O presidente do CFM, Roberto D’Ávila, assegura que há faculdades na América Latina cujo ensino é extremamente ruim.

“Muitos brasileiros vão para lá na esperança de ter uma boa formação. Encontram salas lotadas, infraestrutura deficiente.” Como exemplo, ele cita aulas de anatomia. “Aqui, um cadáver é usado para grupos de 8 alunos no máximo. Vi um curso na Bolívia com um cadáver para quase 80 alunos. E o professor mal falava espanhol.”

Prefeituras de cidades pequenas atraem profissionais estrangeiros
Mesmo sem o diploma reconhecido, médicos estrangeiros aos poucos se instalam em pequenas cidades. O movimento, que começou há alguns anos e ganha força, tem patrocínio de pequenas prefeituras, divide a Justiça e tira o sono de conselhos médicos. “Isso nada mais é que exercício ilegal da medicina”, contesta Cláudio Franzen, do Conselho Regional de Medicina do RS. Prefeituras argumentam que é ao jeito de driblar a falta de profissionais interessados em trabalhar em pontos mais distantes.

No Rio Grande do Sul, o CRM ingressou com ação contestando a contratação de uruguaios que não tinham diploma validado. Perdeu. A Justiça considerou legítima a contratação, amparada num acordo entre os países. “Mas isso vale para profissões que não são regulamentadas. Não se aplica à Medicina”, argumenta Franzen. O conselho vai recorrer.

Há duas semanas, no Acre, a Justiça preferiu caminho inverso. Considerou ilegais as contratações de estrangeiros pelas prefeituras de Porto Acre, Acrelândia, Feijó e Manuel Urbano. Os contratos haviam sido firmados em 2010. A decisão afirma que os critérios para exercício devem ser os mesmos em todo o País e a carência de profissionais não pode afrouxar as exigências legais.

A falta de interesse dos médicos se justifica, diz Franzen. “Oferecem salários bem inferiores aos R$ 9 mil recomendados. Para uruguaios, isso se torna bom negócio.” Franzen tem outra teoria. “Prefeitos se livram de um eventual concorrente político. Nas pequenas cidades, médicos acabam ganhando popularidade e podem despontar como figura política.”

Fonte: O Estado de S. Paulo

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