Legislação de 1921 já previa procedimento nessa situação, mas havia divergência na interpretação da lei
Os integrantes da Corte Suprema de Justiça da Argentina determinaram ontem, de forma unânime, a despenalização do aborto para casos de gravidez fruto de um estupro. A determinação da Corte foi específica para o caso de uma adolescente que foi violada por seu padrasto na Província de Chubut. No entanto, abre precedentes para que os tribunais não penalizem as mulheres violadas que pratiquem o aborto, bem como os médicos responsáveis pela interrupção da gravidez.
Até agora, a interpretação do Código Penal argentino só permitia a realização do aborto no caso de que a mulher violada tivesse alguma espécie de incapacidade mental. Mas, mesmo nessa situação, a família da vítima precisava passar por uma maratona judicial até obter a autorização para realizar o aborto sem o risco de punição legal para a mãe, a família e os médicos. Na maior parte dos casos, as autorizações judiciárias ocorriam quando as mulheres estavam no sétimo ou oitavo mês de gravidez, quando se tornava impossível praticar o aborto.
Uma das líderes da Campanha pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, Estela Díaz, declarou que a determinação da Corte “é muito positiva”, já que ratifica a legislação existente desde 1921, que era interpretada de forma parcial.
Segundo Díaz, o artigo 86 do Código Penal condenava os médicos que realizassem ou colaborassem com um aborto. No entanto, a própria lei determinava que não seria punível em dois casos. Um deles, na hipótese de que “o aborto tivesse sido feito com o objetivo de evitar um perigo para a vida e a saúde da mãe e se esse perigo não pudesse ser evitado por outros meios”; o outro, “se a gravidez fosse proveniente de um estupro ou de um atentado ao pudor cometido sobre uma mulher com incapacidade mental ou demência”.
Essa última oração gerou divergências entre os juristas ao longo dos últimos 90 anos, já que não ficava claro se estavam isentas de pena tanto as mulheres violadas como as mulheres dementes que haviam sido abusadas. Alguns juízes afirmavam que a frase se referia a todas as mulheres violadas, enquanto que outros diziam que somente se aplicava às dementes estupradas. Ontem, a Corte Suprema acabou com essas dúvidas.
O ministro da Justiça, Julio Alak, afirmou ontem que a eventual despenalização geral do aborto “não faz parte da agenda” do governo – o tema enfrenta oposição interna no peronismo. Alak se disse contrário a qualquer projeto no Congresso antes de uma ampla discussão sobre o assunto entre os argentinos. A presidente Cristina Kirchner declarou ser publicamente contra a despenalização geral do aborto.
Fonte: O Estado de S. Paulo