Células-tronco no combate à cegueira

Pesquisadores britânicos transplantaram fotorreceptores em ratos sem visão noturna e, em um mês e meio, as cobaias começaram a se locomover com fac

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Pesquisadores britânicos transplantaram fotorreceptores em ratos sem visão noturna e, em um mês e meio, as cobaias começaram a se locomover com facilidade. Testes com humanos serão o próximo passo

Aos poucos, a luz vai se extinguindo até que os últimos pontinhos de claridade se apaguem por completo. Sem nenhum tratamento disponível, as doenças que afetam as células fotorreceptoras dos olhos levam à perda progressiva da visão e são a principal causa de cegueira no mundo. Nos laboratórios, pesquisadores apostam na terapia gênica não só para interromper o avanço do problema, mas com o objetivo de reverter os danos já provocados. A mais nova descoberta é que o transplante de células-tronco é capaz de tirar os pacientes das trevas.

Publicada na edição de hoje da revista Nature, a pesquisa do Instituto de Oftalmologia da University College London foca-se nos bastonetes, tipo de célula fotorreceptora que, quando prejudicada, causa cegueira noturna. O experimento foi feito com ratos, mas os cientistas estão animados com o resultado. “Até agora, não havia relatos convincentes de que o transplante desse fotorreceptor, de fato, melhore a visão. Isso pode ser devido ao número relativamente baixo de bastonetes transplantados em estudos prévios (menos de mil). Para verificar se novos bastonetes realmente funcionam, incrementamos o procedimento e conseguimos fazer com que o número dessas células aumentasse e se integrasse à retina”, diz o artigo.

Robin Ali, principal autor do estudo, conta que não deve demorar muito para que os resultados sejam replicados em humanos. “Devido ao sucesso alcançado, estamos bastante esperançosos no sentido de começarmos a coletar os fotorreceptores de células-tronco embrionárias e iniciarmos os estudos clínicos. Isso poderá beneficiar milhões de pessoas em todo o mundo que, até agora, não têm outra opção senão esperar que a doença progrida até ficarem cegas”, afirma. Para que os testes com humanos tenham início, porém, é necessário cumprir uma série de etapas burocráticas. Ali não sabe dizer, por enquanto, quando isso vai ocorrer. “Acho que em breve, mas ainda não tenho como precisar uma data”, diz.

Placa luminosa
Na pesquisa, os cientistas utilizaram células-tronco retiradas de ratos, ainda não totalmente maduras. Essas estruturas estavam, porém, prontas para se especializarem,  transformando-se em bastonetes. As células foram, então, injetadas nos olhos de animais geneticamente modificados para desenvolverem cegueira noturna. Antes da terapia, os roedores com deficiência nos fotorreceptores não conseguiam responder a sinais visuais em ambientes escuros. Dentro de uma caixa, eram incapazes de encontrar a saída, indicada por uma placa luminosa.

Passadas seis semanas do transplante, a situação mudou. Mesmo no escuro, os ratinhos se locomoveram com facilidade, uma prova de que estavam conseguindo identificar a luz acima da porta de saída. Um exame por imagem revelou que os novos bastonetes se implantaram com sucesso na retina dos animais, conseguiram se expandir e, o mais importante, se conectar com o cérebro. “Esse último processo é o que garante que a luminosidade detectada pelo fotorreceptor seja interpretada pelos neurônios, que transformam essa informação na visão”, explica Rachel Pearson, também pesquisadora do Instituto de Oftalmologia da University College London e integrante da equipe de Robin Ali.

Pearson conta que, em 2007, o mesmo grupo de cientistas conduziu o primeiro teste com humanos de uma terapia gênica para doenças que afetam a retina. No caso, os 12 pacientes sofriam de amaurose congênita de Leber, problema precoce e hereditário que começa com a perda dos reflexos luminosos ainda na infância e pode resultar na cegueira total na idade adulta. “As crianças nascem com cegueira noturna e, gradualmente, perdem a visão central. Nesse estudo, também aplicamos a terapia gênica e conseguimos alcançar algumas melhorias, mas o impacto não foi o ideal”, relata. “Por isso, vimos necessidade em desenvolver uma tecnologia mais eficaz, que corrigisse o defeito genético e, principalmente, conseguisse fazer com que os fotorreceptores recuperassem toda a funcionalidade”, diz.

Produção facilitada
Robin Ali explica que o grupo tem se concentrado no transplante de bastonetes porque eles são abundantes nos olhos, e células-tronco precursoras desse fotorreceptor são mais fáceis de serem produzidas, quando começam a se diferenciar. “Para garantirmos que, em humanos, o procedimento será realmente eficaz, precisamos fazer o que estamos fazendo há mais de uma década: testar e aperfeiçoar as técnicas. A ideia, porém, é que, ao longo do tempo, comecemos a usar a mesma tecnologia para transplantar os cones. Antes disso, precisamos garantir a segurança, saber o nível de melhoria obtido pelos receptores das células, encontrar o melhor meio de levá-las até a retina. É um processo bastante cuidadoso e, por isso, lento.”

De acordo com o pesquisador, se, em ratos, a equipe tem utilizado células-tronco precursoras de bastonetes, em humanos, o ideal serão as de origem embrionária. “As células-tronco adultas são restritas, é particularmente difícil transformá-las em linhagens da retina. Já as embrionárias podem se especializar em qualquer tipo de célula, o que facilita muito a diferenciação. Quando conseguirmos fazer isso tanto para a geração de bastonetes quanto de cones, poderemos dizer que a cegueira provocada por degeneração da retina estará a um passo de ser curada”, afirma.

Para Jean Bennett, cientista do Hospital Infantil da Filadélfia e uma das pesquisadoras que mais publicam estudos sobre terapia gênica oftalmológica, essa é uma área extremamente promissora porque consegue consertar, in loco, defeitos causados pela alteração anormal de genes. Em fevereiro, Bennett divulgou o resultado de uma pesquisa realizada com pacientes de amaurose congênita de Leber, que melhoraram a acuidade visual depois de submetidos a um tratamento semelhante. Mas, em vez de transplantar células, a equipe da médica conseguiu enviar à retina uma versão normal do gene defeituoso. “Essas pessoas não recuperaram totalmente a visão, mas relataram melhorias muito grandes, como enxergar objetos sob luz fraca e reconhecer obstáculos. Isso parece pouco para quem enxerga, mas é uma coisa extraordinária para pessoas que não conseguiam ver absolutamente nada”, comemora.

A cientista explica que a área oftalmológica é uma das mais beneficiadas pela terapia gênica. “Diferentemente de outros órgãos, os olhos não costumam rejeitar novos elementos. Tanto nas nossas pesquisas como nas de nossos colegas, o que observamos é uma segurança muito grande nesse tipo de tratamento. Mas estamos cientes também de que, apesar dos resultados incríveis obtidos em experimentos, ainda são necessários mais estudos para que a terapia gênica voltada à reparação das doenças da retina seja uma realidade nos consultórios médicos”, diz.

Fonte: Correio Braziliense

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