A acupuntura no limbo jurídico

Para suportar um dia inteiro em pé, no trabalho como vendedor de autopeças, só à base de muito relaxante muscular. O remédio reduzia as dores de coluna e no nervo ciático, mas acabava com o ...

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Enquanto a sentença que suspendeu regulamentações sobre a prática não é totalmente explicada pelos magistrados, conselhos de profissionais se digladiam pelo direito de aplicar a tradicional terapia chinesa

Para suportar um dia inteiro em pé, no trabalho como vendedor de autopeças, só à base de muito relaxante muscular. O remédio reduzia as dores de coluna e no nervo ciático, mas acabava com o estômago de Adão Valdir de Carvalho. Há um ano e meio, ele descobriu a terapia com agulhas. Uma vez por semana, submete-se a sessões, sempre com farmacêuticos ou fisioterapeutas. Mas resoluções expedidas pelos conselhos federais dessas e de outras categorias disciplinando a prática da acupuntura entre os seus profissionais foram derrubadas, no início deste mês, por uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

A linguagem complicada da sentença e os interesses envolvidos levaram a interpretações das mais diversas – desde o entendimento de que a atividade é exclusiva de médicos à tese de que ninguém pode praticá-la, já que não há lei federal prevendo os requisitos para seu exercício. No meio da falta de informação, estão milhares de adeptos do tratamento no Brasil, como Adão. “Eu fiquei preocupado quando vi as notícias. Uns dizem uma coisa, outros dizem outra. A gente fica desamparado. Mas continuo fazendo com os mesmos profissionais, melhora muito a minha dor”, diz o homem de 54 anos.

O relator da ação, ajuizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Colégio Médico de Acupuntura, contra as resoluções dos conselhos federais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Psicologia e Farmácia, é o juiz Carlos Eduardo Castro Martins, da 9ª Vara Federal do Pará. Martins foi procurado pela reportagem para explicar os efeitos de sua decisão, tanto pela assessoria do TRF quanto da 9ª Vara Federal do Pará, mas não retornou os contatos. Questionado, o TRF informou que não pode “interpretar” decisões judiciais, cabendo ao próprio magistrado explicitar, caso queira, sua intenção. Para entender melhor a determinação, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) já ajuizou um recurso de embargos de declaração. “Dependendo da resposta, acionaremos o Superior Tribunal de Justiça”, destaca Walter da Silva Jorge João, presidente do CFF.

Orientação
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) também já entrou com dois recursos – um especial no STJ e outro no próprio TRF, ambos questionando a decisão. “O acórdão diz que estaríamos extrapolando nosso campo de atuação ao editar resolução sobre acupuntura porque na nossa legislação não há menção a essa atividade. Nossa legislação define as atividades exclusivas do psicólogo, mas não que seja vedado outro tipo de atendimento, não exclusivo da categoria”, afirma Humberto Verona. Assim como os demais, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) instruiu aos profissionais que continuem os atendimentos. Já os médicos interpretam o acórdão de uma forma bem diferente. “No entendimento do CFM, com sua sentença, a Justiça define que esses procedimentos (de acupuntura) são atos exclusivos dos médicos”, diz a nota do conselho.

Até o momento, o acórdão do TRF não teve impacto na orientação do Ministério da Saúde sobre a atividade da acupuntura. Embora a pasta não comente a decisão do tribunal, a assessoria de imprensa do órgão informou que continua a valer a Portaria 971, de 3 de maio de 2006, que aprova a adoção da atividade pelo Sistema Único de Saúde (SUS) seguindo a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que, por sua vez, considera a medicina tradicional chinesa de caráter multiprofissional.

70 mil é o contingente atual de acupunturistas no Brasil. Desses, quase 10 mil são médicos e o restante, técnicos ou profissionais da área de saúde

Morosidade no Congresso
A principal decisão capaz de encerrar a discussão sobre quem pode exercer a acupuntura é de responsabilidade do Congresso Nacional. Cabe aos parlamentares regulamentar a profissão. Desde 1984, tramitam nas Casas projetos de lei capazes de dar uma resposta definitiva ao tema. O fisioterapeuta e acupunturista Homero Bernardo é um dos  que aguardam a regulamentação para se tranquilizar. “Essa discussão é antiga. Não é a primeira vez que médicos tentam restringir nossa atuação. Essa é uma questão de mercado”, pontua.

Na opinião do fisioterapeuta, o texto de autoria do deputado Celso Russomano (PP-SP), que tramita na Câmara dos Deputados desde 2003, é uma alternativa plausível, pois cria a graduação específica em acupuntura. O projeto prevê que a profissão seja restrita aos possuidores de diploma de nível superior em acupuntura, aos que, na data de publicação da lei, tenham formação na área de saúde e curso de especialização na área, reconhecido pelo conselho de classe, e aos que tenham certificado de técnico.

Já o Conselho Federal de Medicina acredita que a regulamentação da atividade virá com a aprovação de um projeto conhecido como ato médico. A proposta, que foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal no último 8 de fevereiro, confere aos médicos a atividade privativa de diagnosticar e executar procedimento invasivos. Uma das dificuldades comentadas entre eles, no caso da acupuntura, é que, até a presidente Dilma Rousseff, além dos antecessores Lula e Fernando Henrique Cardoso, fazem o tratamento com não médicos.

Fonte: Correio Braziliense

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