O sistema de saúde brasileiro passa por um momento de desafios. Após a implantação do Mais Médicos, deparamo-nos com outra questão delicada: a redução da jornada de trabalho dos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.
Hoje, a carga horária da categoria é regida pelas leis trabalhistas, limitada a 44 horas semanais. O projeto de lei n° 2.295/00 propõe modificar a lei nº 7.498/86, reduzindo o teto a 30 horas semanais.
As justificativas para a mudança seriam que as atividades ligadas à saúde são consideradas insalubres e as jornadas excedentes a seis horas seriam mais suscetíveis a erros.
Os impactos dessa medida precisam ser analisados com cautela. Não adianta reduzir a carga horária visando à melhoria da qualidade de vida dos profissionais e novas oportunidades de emprego se, para atender os novos postos de trabalho, os mesmos profissionais precisariam aderir a múltiplas jornadas. Afinal, não há mão de obra suficiente para atender a demanda dos mais de 235 mil postos que teriam de ser criados.
Os custos também são motivo de preocupação. Considerando apenas salários e encargos para as novas contratações, o sistema de saúde arcaria com R$ 8,6 bilhões. Benefícios e treinamento não estão contemplados nesse montante.
No setor público, os municípios teriam o maior impacto: R$ 1,7 bilhão por ano. No setor privado, a medida ocasionaria um aumento de R$ 5,4 bilhões por ano, sendo as instituições sem fins lucrativos, que atendem sobretudo o sistema público de saúde, as mais prejudicadas: R$ 3,1 bilhões anuais.
A enfermagem representa 50% dos colaboradores de uma instituição hospitalar. É a máquina propulsora do sistema. A luta da categoria por melhor qualidade de vida é nobre, mas ao mesmo tempo contraditória com a prática de 65% dos auxiliares e técnicos e de 40% dos enfermeiros, que têm dupla jornada.
A redução da carga horária estimularia ainda mais as múltiplas jornadas, prejudicando o desempenho do profissional, proporcionando implicações em sua saúde e, portanto, colocando em risco a vida dos pacientes. Além de elevar os índices de absenteísmo nos hospitais.
O número de profissionais disponíveis no mercado hoje já é inferior à demanda. Segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES, 2012), existem 490 mil técnicos e auxiliares de enfermagem para 804 mil vínculos e 158 mil enfermeiros para 218 mil vínculos.
Além disso, se também reduzirmos a jornada, possivelmente não haverá profissionais suficientes.
A escassez não é uma preocupação apenas no Brasil, sobretudo quando se considera o envelhecimento da população –uma tendência mundial. A Inglaterra, por exemplo, calcula que o deficit de profissionais chegará a 47 mil em 2016.
O Brasil também deveria fazer suas próprias projeções antes de adotar medidas drásticas que podem comprometer a segurança do atendimento ao paciente, a qualidade de vida dos profissionais e o próprio financiamento do setor.
FRANCISCO BALESTRIN, 57, médico, é presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados