Inédito, o resultado ocorreu por meio de experimento feito com células-tronco. Os estudiosos da Universidade da Califórnia ainda não falam na cura da doença, mas acreditam em novas abordagens para o tratamento contra o HIV
Nos últimos 30 anos, pesquisadores do mundo todo têm procurado uma terapia efetiva contra o HIV. Apesar de avanços significativos, principalmente no desenvolvimento de vacinas, ainda não surgiu um tratamento que consiga eliminar de vez o vírus do organismo. Um estudo da Universidade da Califórnia (Ucla), baseado em células-tronco, pode ser a chave para medicamentos mais efetivos contra a Aids. Em modelos animais, os cientistas conseguiram, pela primeira vez, varrer completamente o HIV da corrente sanguínea.
Cautelosos, os pesquisadores evitam falar em cura. “Ainda estamos em uma fase muito inicial, não queremos alardear uma ideia que, em testes futuros, possa falhar”, salienta Scott G. Kitchen, professor da Divisão de Oncologia e Hematologia da Ucla. Principal autor do estudo, ele diz, contudo, que os resultados obtidos podem ser o alicerce de uma nova abordagem para combater o HIV em pessoas infectadas, com a expectativa de erradicar o vírus do organismo. “Os antirretrovirais têm feito um bom trabalho, mas há uma necessidade desesperadora de se desenvolver novas estratégias que erradiquem, de fato, a infecção”, salienta.
Poucas pessoas conhecem o mecanismo que faz do HIV um vírus tão perigoso. Uma vez na corrente sanguínea, ele ataca os sistemas de defesa do organismo, que são acionados quando se detecta a invasão de um corpo estranho. Sem resposta imune, o portador da síndrome fica fragilizado e suscetível às chamadas doenças oportunistas. Kitchen explica que, no caso de infecções virais não persistentes, como uma gripe, células de defesa chamadas linfócito T citotóxicos se mobilizam rapidamente, desencadeando uma potente resposta, que resulta na expulsão do vírus. Elas agem produzindo uma proteína especializada na caça e na eliminação dos micro-organismos invasores.
“Em infecções provocadas pelo HIV, uma resposta efetiva dos linfócitos T é vital para controlar a multiplicação do vírus durante os estágios agudo e crônico da Aids. Contudo, diferentemente do observado na maioria das infecções virais, no caso do HIV, as células não conseguem matá-lo”, diz o pesquisador. “Mesmo sob ação das mais eficazes terapias antirretrovirais, o HIV não sai do organismo. Pelo contrário, ele ataca os linfócitos, cuja contagem, no sangue, vai diminuindo. Devido à importância dessas células, há uma necessidade muito grande de explorar formas de estimular sua resposta”, conta.
Linfócitos restaurados
A atenção da comunidade científica tem se voltado, recentemente, à terapia gênica. Nesse tipo de tratamento, são produzidos antígenos que atacam diretamente o causador da doença ou da síndrome. “Em uma pesquisa anterior, examinamos a viabilidade de uma terapia gênica baseada em células-tronco hematopoéticas (TCTH)”, conta Jerome A. Zack, do Departamento de Microbiologia da Ucla. Essas estruturas, formadas no timo, um órgão localizado na caixa torácica, ainda são imaturas, mas, ao se desenvolverem, dão origem a todas as células que compõem o sangue.
Os pesquisadores constataram que as TCTH manipuladas com genes que visam um antígeno específico para o HIV humano são capazes de produzir uma grande quantidade linfócitos T maduros e completamente funcionais. A escassez natural dessas células no organismo é outro fator que impede, até agora, que elas consigam eliminar o vírus da Aids. O primeiro estudo foi todo realizado com tecidos cultivados in vitro. “Agora, o que fizemos foi checar, em organismos vivos, se, além de fazer com que o HIV pare de se replicar, a abordagem é válida para eliminá-lo totalmente da corrente sanguínea. Pela primeira vez, fomos capazes de chegar a esse resultado. Na prática, o que aconteceu foi que restauramos a capacidade dos linfócitos de combater e matar o vírus”, comemora.
Uma vez manipuladas, as células foram introduzidas no organismo de roedores infectados com o vírus do HIV. Esses animais também tiveram de ser modificados geneticamente para que apresentassem respostas semelhantes às que seriam obtidas por humanos. Seis semanas depois, os ratos foram examinados. Cem por cento deles apresentavam células humanas circulando na corrente sanguínea. O melhor, porém, ainda estava por vir. As células T se multiplicaram, o que ficou claro pela contagem do linfócito CD4 no sangue. Quando uma pessoa está infectada, a quantidade dessas estruturas é muito baixa. Além disso, o exame não detectou a presença do HIV.
“Isso significa que, nos ratos geneticamente modificados, a terapia foi eficaz. Ela erradicou o vírus da Aids do organismo, da mesma forma que um antibiótico expulsa as bactérias causadoras da pneumonia, por exemplo”, explica Jerome A. Zack. Ele ressalta, porém, que ainda falta muito para que a metodologia comece a ser testada em humanos. “Por mais que os ratos tenham sido manipulados para que seus organismos ficassem parecidos ao nosso, evidentemente eles não se transformaram em humanos. Precisamos encontrar e isolar a maior quantidade possível de antígenos que ataquem diretamente o HIV antes de começarmos a pensar em realizar experimentos clínicos”, esclarece.
Transmissão vertical
Um dos maiores sucessos no tratamento da Aids é a possibilidade de mulheres infectadas não transmitirem o vírus aos fetos. No Brasil, a chamada transmissão vertical está em queda, impactando no número de portadores de HIV com menos de 5 anos. Em 2000, havia 5,4 casos por 100 mil habitantes. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2009, a incidência diminuiu para três casos. A meta do governo é que, até 2015, a taxa de transmissão vertical seja de menos de 2%.
Investimento de R$ 15 milhões
O Ministério da Saúde anunciou que vai investir R$ 15 milhões em pesquisa e produção de células-tronco em escala comercial. Desse valor, R$ 8 milhões serão destinados à conclusão de oito centros nacionais de terapia celular e R$ 7 milhões aplicados em pesquisas. Editais para a seleção desses estudos serão divulgados ainda neste ano. No país, há três centro nacionais de terapia em funcionamento: em Curitiba, em Salvador e em Ribeirão Preto (SP).
Fonte: Correio Braziliense