O Jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de 19 de janeiro, publicou um artigo de autoria do presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Junior, propondo uma reflexão para as novas gestões municipais.
Leia abaixo na íntegra:
Pensar fora da caixa na saúde
Os prefeitos eleitos tomaram posse em um cenário político nacional delicado. Além dos sucessivos escândalos de corrupção e das discussões de reformas estruturais importantes para o país, os novos governantes terão de se mostrar excelentes gestores para administrar as dívidas dos municípios e atender aos anseios dos eleitores. E saúde é um dos principais desejos dos cidadãos.
É importante frisar que saúde está diretamente ligada a educação, saneamento e economia. Um povo mais educado, cidades com bom tratamento de água e esgoto e um orçamento compatível para prevenção, promoção e assistência à saúde elevam os indicadores sociais.
Como muitas ações para melhorar esses itens dependem das esferas federal e estaduais, o que os prefeitos podem fazer em prol da saúde dos munícipes?
Muitos prometeram a construção, reforma ou ampliação de hospitais, que são estruturas caras para erguer, equipar e manter. Pesquisas internacionais mostram que um hospital, para ser viável operacionalmente, deve ter entre 150 e 200 leitos. Se a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda três leitos para cada grupo de mil habitantes, isso significa que um hospital só é viável em cidades com, no mínimo, 50 mil pessoas (150 leitos).
Ocorre que dos 5.568 municípios brasileiros, 68% (ou 3.810) têm menos de 20 mil habitantes, segundo a última estimativa populacional divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Só 690 cidades, ou 12,3% do total, possuem mais de 50 mil habitantes no país. Paralelamente, a infraestrutura hospitalar brasileira também é deficitária: somente 12% de nossos hospitais têm mais de 200 leitos.
A solução para garantir estruturas hospitalares produtivas, alocar recursos eficientemente, atrair mão de obra qualificada e ainda combater o desperdício está na formação de redes assistenciais.
A população de determinada região seria vinculada à uma rede que se inicia com a Unidade Básica de Saúde, passa por Unidades Intermediárias, hospitais de média complexidade chegando até o nível terciário da assistência à saúde.
Concomitantemente a isso, os agentes comunitários de saúde devem ser valorizados e assumir um papel informativo e educativo junto à população, para que os cidadãos possam entender e fazer uso do sistema de saúde com todos os seus elos da melhor forma possível.
Num país com as dimensões continentais como o nosso e as escandalosas diferenças regionais, não é tarefa fácil, mas é preciso começar.
Há alguns obstáculos contra a iniciativa. O primeiro é a “municipalização da saúde” como é feita atualmente. Os municípios são responsáveis pelas ações de saúde; a União repassa recursos às cidades.
A ideia é excelente, a descentralização é prevista na Constituição, mas no caso da saúde tem se mostrado ineficiente e, em muitos casos, principalmente nos municípios menores, a perda de escala se torna um fator quase intransponível em termos de custo e eficiência.
Sem medo de errar, os melhores resultados na saúde serão obtidos pelos prefeitos que ousarem pensar fora da caixa, que tiverem coragem e disposição para quebrar paradigmas e atacar o mal pela raiz. Principalmente, por aqueles que colocarem os interesses coletivos acima dos pessoais ou partidários.
*Yussif Ali Mere Junior é médico nefrologista, presidente da Federação e do Sindicato de Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo