Cientistas dos Estados Unidos e do Canadá cogitam ser possível diagnosticar o problema analisando a composição do líquido. Testes com adolescentes indicaram a presença de 11 genes apenas naqueles considerados deprimidos
Tristeza profunda, falta de ânimo e sono em excesso. Para algumas pessoas, essas características são apenas o reflexo de dias difíceis. Seja no trabalho, na escola ou mesmo dentro de casa. Mas os sintomas também podem estar ligados a situações mais graves, que necessitam de acompanhamento profissional. O problema é justamente essa incerteza: atualmente, o diagnóstico de complicações como a depressão e a ansiedade é praticamente impossível de ser validado cientificamente. Essa realidade, contudo, pode mudar em breve. Pesquisadores da Universidade de Northwestern (nos Estados Unidos) e da Universidade de Dalhousie (no Canadá) desenvolveram o que pode ser o primeiro exame de sangue capaz de dizer se o paciente está ou não depressivo – e até mesmo com qual grau de intensidade ele está sofrendo.
Feito com 28 adolescentes de 15 a 19 anos, o estudo polêmico, publicado no jornal especializado Translational Psychiatry, usou marcadores genéticos para determinar quais seriam comuns em pacientes deprimidos. Metade das cobaias tinha depressão profunda e não havia se submetido a nenhum tipo de tratamento, enquanto o restante não apresentava sintomas da doença. Após colher amostras do sangue dos participantes, os cientistas observaram 26 biomarcadores relacionados à depressão, descobertos em pesquisas anteriores envolvendo ratos com depressão e ansiedade, como explica Eva Redei, professora de psiquiatria e de ciências comportamentais da Universidade de Northwestern e uma das principais autoras do trabalho.
Kathleen Pajer, chefe da psiquiatria e professora do Departamento de Psiquiatria Infantil e Adolescente da Universidade de Dalhousie, explica que os biomarcadores “funcionam como um painel de interruptores de luz: alguns ficam ligados e outros não”. “Testamos se cada um dos genes foram expressos ou não em jovens que tinham transtorno depressivo maior em comparação aos jovens sem qualquer transtorno”, detalha. A equipe descobriu que 11 biomarcadores diferiam entre deprimidos e não deprimidos.
No grupo dos adolescentes depressivos, o estudo mostrou ainda diferenças em 18 dos 26 biomarcadores entre pacientes que estavam deprimidos e aqueles que, além da doença, tinham transtorno de ansiedade. “Esses 11 genes são, provavelmente, a ponta do iceberg, uma vez que a depressão é uma enfermidade complexa”, comentou Redei. Uma vez desenvolvido mais minuciosamente o estudo, Kathleen Pajer diz que a expectativa dos médicos é “criar tratamentos, medicamentos ou terapias individualizadas” para potencializar as chances de cura desses pacientes.
Por habilidade
Atualmente, o diagnóstico da depressão é subjetivo: baseia-se apenas na habilidade do paciente em relatar os sintomas e na habilidade do médico para interpretar os relatos. Marcio Gerhardt Soeiro-de-Souza, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP), diz que, antes de determinar se um paciente tem depressão, os médicos observam um conjunto de sintomas. Para ele, contudo, o resultado do estudo é válido na medida em que pode ser “o indício de um novo tipo de alteração neurobiológica associado ao transtorno depressivo unipolar”.
Gerhardt frisa que já existem pesquisas voltadas para a detecção de transtorno bipolar e esquizofrenia. “Todas são preliminares e contam apenas parte da alteração neurobiológica presente nessas doenças”, salienta. “Esse estudo deve ser analisado em conjunto com os demais trabalhos referentes ao assunto a fim de se ter uma visão integrada de todos os mecanismos neurobiológicos envolvidos na depressão.” Ricardo Alberto Moreno, diretor do Programa de Transtornos Afetivos (Gruda) do HC-USP, diz que, além dos indícios psicológicos, a depressão afeta o organismo como um todo. “Os sintomas físicos mais comuns são o aumento ou a diminuição do apetite e/ou do sono, a falta de energia e dores vagas pelo corpo”, enumera.
Os sinais não são constantes. Dependendo da intensidade, podem ocorrer ao longo do mesmo dia ou por semanas a fio. Mas o diagnóstico, da forma como é feito hoje, não exige que todos os sintomas aconteçam ao mesmo tempo – o que torna a doença ainda mais difícil de ser percebida. “A descrição dos sintomas é útil para que possamos levantar a suspeita de um quadro depressivo”, reforça o médico. Às vezes, nem mesmo o próprio paciente se dá conta de que algo está errado. “Muitas pessoas ‘justificam’ seus sintomas como consequência de circunstâncias de vida, quando, na verdade, já estavam doentes”, exemplifica Moreno. “Aquelas circunstâncias de vida adversas ou complicadas eram assim em decorrência do estado depressivo instalado.”
Fonte: Correio Braziliense