O SUS gastou no ano passado R$ 266 milhões para atender ações judiciais que o obrigam a bancar medicamentos ainda não distribuídos gratuitamente. Especialistas defendem maior agilidade para atualizar a lista
Nos cinco primeiros meses deste ano, o Ministério da Saúde publicou dez novas consultas públicas para avaliar a inclusão de medicamentos no rol do Sistema Único de Saúde (SUS). Muita gente acha que o poder público ainda é lento no processo de atualização da lista das drogas distribuídas gratuitamente. “A incorporação da tecnologia precisa ser mais rápida”, defende o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Luiz Antônio Santini.
Independentemente das escolhas do governo, a Justiça tem forçado a aceleração do passo, determinando que sejam fornecidos medicamentos ainda excluídos da lista. Para atender a essas sentenças judiciais, o Ministério da Saúde gastou R$ 266 milhões no ano passado, um aumento de 1.555% em relação aos R$171,5 mil desembolsados em 2003. Parte disso não é gasto com os remédios e sim com os processos judiciais. O que se argumenta, portanto, é que a atualização mais rápida da lista poderia ser, ao menos em parte, compensada pela economia com custos judiciais.
A maioria das requisições de medicamentos está relacionada ao tratamento de câncer. De acordo com o defensor público no estado de Mato Grosso e presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Gabriel Oliveira, também é comum a solicitação por medicamentos mais comuns para doenças como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. Segundo ele, nesses casos, o processo judicial sai mais caro para o governo do que o próprio medicamento. “Um dos medicamentos para asma custa R$ 260, o que não é nem um terço do valor da ação”, compara. Segundo Oliveira, o SUS não se pauta pela velocidade de inovação da indústria farmacêutica. Só faz alterações na lista depois de muito apelo. “O sistema público não tem a mesma evolução que o sistema privado, apesar de ter a sua qualidade”, ressalta.
Oliveira reconhece que o governo tem que ter critérios rigorosos, mas chama atenção para a falta de padronização nos estados. A professora Neila Wolff Silva Villamivar, 42 anos, foi beneficiada por uma decisão da Justiça gaúcha. Lá, considera-se como causa ganha toda ação que pede uma droga específica para o tratamento de um tipo de câncer de mama. Se estivesse em outro estado, Neila poderia estar esperando uma resposta até hoje. Ela conta que descobriu a doença no fim do ano passado, em um exame de rotina. Em janeiro, começou o tratamento no SUS e, em março, fez a cirurgia.”Na primeira quinzena de abril, quando começaram as sessões de quimioterapia, a médica me disse que eu precisava de uma medicação cara que o SUS não oferecia, mas que eu poderia ter acesso se fosse à Defensoria Pública e entrasse na Justiça”, relata.
Alívio
Neila, então, entrou com a ação no fim de abril e já se prepara para usar a medicação nas próximas sessões de quimioterapia. “Foi um alívio. Tenho dois filhos, de 7 e 10 anos, e preciso continuar lutando contra a doença”, comenta. No caso da professora, serão administradas 18 doses. Cada uma custa cerca de R$ 10 mil.
A presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femana), Maira Caleffi, frisa que casos como o de Neila são frequentes. “É inaceitável que a gente tenha essa dificuldade para conseguir um medicamento e que seja preciso entrar com ação judicial para ter acesso a um remédio que está há dez anos no mercado. É o caso do Trastuzumabe, que será usado pela Neila e teve sua consulta pública encerrada semana passada.”
Recentemente, em audiência pública na Câmara dos Deputados, a diretora da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, Clarice Alegre Petramale, explicou que o órgão tem trabalhado para dar agilidade nos processos de inclusão de medicamentos.
Clarice esclareceu que os estudos que fazem com que os medicamentos sejam registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não têm eficácia e segurança comprovada. “Raramente as empresas fazem estudos comparados. Precisamos de uma inclusão racional de tecnologia”, defendeu. O ministério informou que muitos dos medicamentos que os pacientes pedem não têm registro na Anvisa. Há também casos em que os medicamentos já estão disponíveis no SUS. Provar isso consome tempo de agentes públicos e recursos do erário.
Santini, do Inca, fez um apelo para que se seja criado um novo modelo. “Perdemos tempo que poderia ser revertido no combate à doença resolvendo questões administrativas. Não podemos continuar assim”, afirmou.
Prazo de 180 dias
A consulta pública é o pontapé inicial para a incorporação de um medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS). O prazo para avaliação e decisão sobre as demandas de incorporação de tecnologias no SUS é de 180 dias. Finalizado o período de consulta, cada demanda retorna para discussão em reunião ordinária do plenário da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), que emite uma recomendação final após análise das contribuições recebidas da sociedade. Posteriormente, a recomendação da Conitec segue para o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, que emite a decisão final. Caso julgue pertinente, o secretário poderá solicitar que seja realizada uma audiência pública antes de proferir sua decisão.
Divisão pelo acesso à Justiça
O aumento dos gastos do Ministério da Saúde com medicamentos é resultado de uma mudança cultural no país segundo o diretor jurídico e coordenador do Núcleo de Defesa e Cidadania Ativa do Instituto Oncoguia, Tiago Matos. Na avaliação dele, as pessoas passaram a lutar por um direito baseando-se na concepção de que o SUS deveria dar-lhes acesso integral à saúde. “As pessoas foram entendendo melhor que podem ter acesso ao melhor remédio”, explica.
Com as ações, Matos nota que o sistema acabou criando outra linha de pacientes, a dos que têm acesso a Justiça. “O médico passa um remédio, o SUS oferece um similar, mas obsoleto. O que a pessoa faz? Ela confia no médico e vai atrás do que ele disse que era melhor”, pontua. O advogado, no entanto, reconhece que existem laboratórios que fazem lobby para que os médicos usem determinado medicamento. Alega, porém, que não se pode punir o paciente por causa desses outros interesses.
Apesar de o processo de inclusão de medicamentos parecer lento, ele tem se acelerado graças à Lei 12.401, aprovada em maio do ano passado, que determina maior agilidade na atualização de tecnologias. O prazo passou a ser de 180 dias para que o ministério faça a avaliação de tecnologias, prorrogáveis por mais 90. O texto estabelece critérios de eficácia, segurança e custo-efetividade como condições para essa inclusão. Com essa nova lei, o Ministério da Saúde espera que as ações para concessão de medicamentos diminuam neste ano em relação ao ano passado.
Fonte: Correio Braziliense