A defesa feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para a liberação do aborto até a 12.ª semana de gestação provocou uma imediata reação entre parlamentares, ontem, em Brasília. Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa Permanente da Família Brasileira, o senador Magno Malta (PR-ES) já avisou que vai organizar uma manifestação no Congresso Nacional.
Para ele, a proposta seria o mesmo que “promover a morte em série no País”. A data está marcada: terça-feira. “Semana que vem serão os integrantes da frente, no Congresso. Depois, o movimento será nas ruas.”
Defensores da descriminalização do aborto, por sua vez, dizem que aproveitarão o documento do CFM para retomar o debate no Congresso. “As mulheres continuam morrendo em consequência do aborto inseguro. Isso tem de mudar”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar de Saúde, Darcísio Perondi (PMDB-RS). “Quem sabe agora o Executivo aproveita a oportunidade e revê, também, a sua posição sobre o assunto.”
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no entanto, demonstrou que essa possibilidade está longe de se concretizar. “O governo federal não vai tomar nenhuma atitude no sentido de mudar a atual legislação do aborto.”
Questionado sobre sua posição pessoal, respondeu: “Sou ministro da Saúde, sou governo.”
Cristião Fernando Rosas, presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), apoia a posição do CFM e diz que a entidade elaborou um documento técnico para dar subsídios aos conselheiros.
“A posição do CFM é extremamente correta. O aborto clandestino é um grave problema de saúde pública no Brasil. Todos os anos, milhares de mulheres morrem. Além disso, a restrição nunca reduz o número de abortamentos, pelo contrário. A taxa de abortos é muito maior nos países com leis restritivas”, afirma.
A mesma opinião tem o ginecologista Thomaz Gollop, presidente do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA). “Esse posicionamento oficial do CFM é um avanço importantíssimo e fundamental para garantir o direito das mulheres. Não é uma questão consensual nem na sociedade civil nem entre os médicos, pois evidentemente há conflitos éticos e religiosos. Mas, com certeza, esse posicionamento terá um peso muito grande na hora que o projeto for discutido entre os parlamentares”, avalia.
Renato Azevedo, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, diz que o assunto foi discutido e votado em plenária e, apesar de a maioria ser favorável ao aborto até a 12.ª semana de gestação, não houve consenso entre os médicos.
Já João Batista Gomes Soares, presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, diz que os conselheiros mineiros foram unânimes em não concordar com essa posição. “Nós fizemos um documento justificando por que somos contra o aborto. Enquanto a sociedade civil não se manifestar, vamos continuar defendendo a vida.”
Senado. O colegiado do CFM vai enviar à comissão do Senado que trata da reforma do Código Penal um manifesto em defesa da liberação do aborto até a 12.ª semana de gestação. O documento deverá chegar aos senadores na próxima semana.
O relator do projeto de reforma do Código, senador Pedro Taques (PDT-MT), afirmou que o documento será analisado com “respeito e atenção” que o CFM merece. Mas deixou claro que o debate está longe de ser concluído. “Embora o CFM seja favorável à liberação, há um conjunto muito significativo de manifestações reivindicando a manutenção das regras atuais”, disse.
Estão programadas várias audiências públicas para discutir a reforma do Código Penal. Uma delas deverá ser dedicada ao aborto. A expectativa é a de que o Senado vote o relatório ainda este semestre. Terminada esta fase, o projeto parte para a Câmara dos Deputados. Embora as discussões ainda estejam em andamento, Taques não esconde sua posição: “Sou favorável à vida. O que outros senadores vão defender, só o tempo dirá”, afirmou.
Europeus têm leis brandas
Na América Latina, apenas Cuba e, desde o fim do ano passado, o Uruguai têm leis de descriminalização do aborto nos primeiros meses de gravidez. No Canadá e nos EUA, a interrupção voluntária da gravidez é garantida desde a década de 70. Na Europa, França, Alemanha e Holanda lideraram o surgimento de leis brandas e a maioria dos países permite o aborto até o terceiro mês. Na Suécia, é permitido até a 18.ª semana, ou 22 semanas em caso de “razões fortes”. Já na Irlanda a permissão só ocorre em caso de ameaça grave à saúde da mulher, o que inclui risco de suicídio. Na China, onde a interrupção da gravidez é incentivada para controle populacional, há estimativas de que ocorram 13 milhões de abortos por ano.
Fonte: O Estado de S. Paulo