Lideranças querem que formandos em Medicina de várias instituições paulistas façam a prova do Cremesp, mas assinalem a letra “B” em todas as questões em protesto contra a avaliação da qualidade do ensino, que neste ano se tornou obrigatória
Estudantes de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Faculdade de Medicina de Marília (Famema) prometem boicotar o exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) que avaliará a qualidade do ensino médico. Alunos de outras instituições – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – manifestaram apoio ao protesto.
O boicote está sendo organizado em resposta à obrigatoriedade da prova a partir deste ano – o exame foi criado em 2005 e tinha caráter optativo. O Cremesp modificou as regras e agora condiciona a concessão do registro profissional de médico à realização do exame ao fim do sexto ano de curso. Os participantes deverão assinar a lista de presença e não poderão deixar a prova em branco. O desempenho não será levado em conta.
A mobilização pelo boicote está mais concentrada na faculdade de Medicina da Unicamp. Em setembro, os alunos lançaram um abaixo-assinado, que já conta com mais de 2 mil assinaturas, contra a realização do exame.
“Queremos mostrar à sociedade que essa prova não vai melhorar a educação e a saúde no País. Nós defendemos uma avaliação continuada, para os problemas sejam corrigidos ao longo do tempo, e não uma que é realizada apenas no final do curso”, afirma André Citroni, coordenador de Educação do Centro Acadêmico Adolfo Lutz, que representa os alunos de Medicina da Unicamp. Ontem, o Ministério da Saúde manifestou a intenção de criar um exame neste formato.
As lideranças estudantis da Unicamp recomendam que os alunos estejam presentes no dia da prova e marquem, em todas as questões, a alternativa “b”, de boicote. A mesma sugestão foi feita pelos estudantes da Marília. “Estamos tentando convencer todos os estudantes do 6.º ano sobre a importância do boicote. O problema é que o Cremesp não deixa muito claro se o desempenho na prova realmente não vai ter algum impacto no futuro”, diz Caio Del Arco, do 3.º ano, coordenador-geral dos estudantes da Famema.
O Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, entidade representa os alunos de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), decidiram não boicotar o exame.
Inscrições. A movimentação dos estudantes de Medicina de algumas faculdade médicas de São Paulo contra o exame do Cremesp, no entanto, parece não ter impactado no número de inscritos para a prova. Encerradas anteontem, as inscrições para o exame ultrapassaram 3,2 mil participantes. Em 2011 – quando a avaliação não era obrigatória -, 418 estudantes haviam se inscrito.
“Provavelmente, só não se inscreveu quem está fora do País ou quem pediu autorização para fazer depois”, avalia um dos coordenadores do exame do Cremesp, Bráulio Luna Filho. Segundo ele, os alunos não têm argumentação para não realizar a prova. “Esse tipo de prova é feita no mundo inteiro. O que é mais lamentável é que, em sua maioria, são alunos de instituições públicas com condição privilegiada que estão se recusando a serem avaliados”, diz Luna Filho.
De acordo com o Cremesp, os resultados individuais e as notas obtidas serão confidenciais, revelados exclusivamente ao participante. As escolas de Medicina terão acesso a um relatório genérico dos alunos.
Favorável. Em nota, a Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp afirmou que acha “interessante a participação dos alunos para ajudar a reconstruí-lo (o exame)”.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) também não se coloca contra à realização do exame. “Mas aguardamos o desenrolar do que é feito hoje apenas em São Paulo para melhor analisá-lo como instrumento de avaliação”, afirma Desiré Callegari, primeiro-secretário do CFM.
Nº de participantes caiu à metade em apenas cinco anos
O exame do Cremesp para avaliar a qualidade do ensino nos cursos de Medicina do Estado é aplicado desde 2005. Mas foram necessários dois anos para que ele deixasse de ter um caráter experimental e se consolidasse como instrumento avaliativo.
No entanto, o fato de o exame não ser obrigatório até 2011 teve reflexo direto nos números de participantes. De 2007 a 2011, a quantidade de recém-formados que se submeteram caiu praticamente à metade.
No ano passado, 46% dos alunos que fizeram a avaliação foram reprovados. Eles não conseguiram, por exemplo, identificar um quadro de meningite em bebês e também não sabiam que uma febre de quase 40°C pode aumentar o risco de infecções graves em crianças.
Agora, com a obrigatoriedade do exame para a obtenção do registro profissional, o quadro mudou e mais de 3,2 mil formandos se inscreveram.
Provão e Enade foram boicotados
Durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Provão, avaliação de cursos do ensino superior criada pelo então ministro da Educação Paulo Renato Souza, enfrentou campanha de boicote movida pela União Nacional dos Estudantes. Substituída pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a prova continuou a ser alvo de campanha semelhante por parte da entidade. Em universidades que tiveram maus resultados no exame, os reitores culpavam o boicote.
Fonte: O Estado de S. Paulo