Empresa criada para administrar os hospitais universitários tem apenas um funcionário: o próprio presidente. Adesão das instituições não é obrigatória e muitas ainda debatem se precisam do serviço
Criada há mais de três meses por sanção da presidente Dilma Rousseff, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) para administrar hospitais universitários federais, ainda caminha a passos lentos. Apesar de um planejamento de mais de dois anos, por enquanto, a proposta não passa de um estatuto com regras e atribuições. Até o momento, a única definição foi o nome do presidente. Nomeado em fevereiro, o ex-reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) José Rubens Rebelatto foi exonerado do ministério para assumir o cargo à frente da estatal. Porém, como a EBSERH não tem sede definida em Brasília e nem outros funcionários contratados, ele despacha sozinho em um gabinete provisório na Esplanada.
O presidente da EBSERH disse ao Correio que aguarda, para esta semana, que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, encaminhe os nomes escolhidos dos diretores da estatal para aprovação da presidente Dilma Rousseff. Em seguida, por deliberação dos ministérios da Educação, da Saúde e do Planejamento, serão instalados os conselho de Administração, Fiscal e Consultivo. Atualmente, como único funcionário da EBSERH, Rebelatto está tomando providências burocráticas, como a formalização de CNPJ, registro na Junta Comercial e elaboração do plano de implantação da empresa.
Apesar das indefinições, Rebelatto afirmou que os hospitais universitários das instituições federais do Piauí, do Maranhão e de Minas Gerais já sinalizaram que vão aderir aos serviços da EBSERH. A contratação da empresa pelos 46 hospitais universitários brasileiros não é obrigatória. Entre as instituições públicas que estão debatendo a viabilidade da adesão, está a Universidade de Brasília (UnB). Segundo o vice-reitor, João Batista de Sousa, a contratação da EBSERH estará na pauta do Conselho Universitário (Consuni) em abril. “Estamos conversando com o pessoal do MEC, bem como a administração do hospital universitário. Uma das nossas preocupações é com a autonomia universitária para formular políticas de ensino. Não queremos que a empresa interfira nisso”, argumentou.
O estatuto da estatal prevê capital inicial simbólico de R$ 5 milhões para custeio da instalação. Porém, de acordo com a assessoria de imprensa do MEC, a partir dos contratos firmados entre a universidade e a empresa, será avaliada a necessidade de orçamento e de pessoal para cada unidade. Cabe ao Ministério do Planejamento a aprovação do Planos de Cargos e Salários dos diretores, bem como dos demais funcionários. A pasta precisa liberar ainda a contratação de 40 cargos de livre provimento.
Concurso
A EBSERH fará uma amarração administrativa para aplicar melhor os cerca de R$ 4 bilhões que saem anualmente do Orçamento para as 46 instituições. Outra preocupação é centralizar os concursos para suprir a demanda por mão de obra. Segundo o Tribunal de Contas da União, no modelo descentralizado de administração, há muitas brechas para fraudes na política de recursos humanos. Com o argumento de que as seleções públicas eram lentas para suprir a necessidade de pessoal e que a rotatividade de funcionários era grande, as universidades acionavam as fundações de apoio para contratar servidores, prática condenada pelo TCU.
Debate permeado pela polêmica
A criação da EBSERH mal saiu do papel e já incomoda bastante. Rolando Malvásio Júnior, dirigente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra), é um dos opositores à estatal. Segundo ele, uma vez que a empresa estiver funcionando, vai diminuir o espaço para o ensino dos estudantes e mudará o foco da pesquisa nessas instituições. “Eu e outros membros da Fasubra nos reunimos no ano passado com o então ministro da Educação, Fernando Haddad, e disse que ele estava cometendo o maior erro da vida dele”, lembrou.
A posição crítica também é compartilhada pela professora de farmácia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Maria Suely Soares. Ela acredita que a contratação da EBSERH vai acarretar a perda de autonomia dos hospitais universitários. “A estatal vai definir os rumos do que acontecerá no hospital. Isso vale também para as pesquisas realizadas por professores”, analisou. O presidente da EBSERH, porém, assegura que isso não vai acontecer, já que a empresa integra o contexto já existente do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), criado pelo Ministério da Educação em 2010. “Foram feitas audiências públicas e debates para mostrar que a empresa não fere a autonomia das universidades”, argumentou José Rubens Rebelatto.
Segundo Maria Suely, o conselho universitário da UFPR foi unânime contra a criação da estatal. “Por conta da nossa posição anterior, não seria coerente a universidade aderir à empresa agora. Mas sabemos que há uma pressão forte do governo para que isso ocorra. Nosso temor, apesar de não existir nada oficial, é de que o governo venha a cortar verbas nos hospitais”, avaliou. Ela acrescenta que membros da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde se reuniram com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que não levou em conta as preocupações do grupo, composto por fóruns estaduais de saúde e entidades sindicais.
Lógica de mercado
Professora de economia da saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria de Fátima Siliansky acredita que a EBSERH “vai introduzir a lógica privada quantitativa e da rentabilidade nos hospitais do estado”. Segundo ela, o estatuto abre, inclusive, brecha para possíveis fraudes, já que o documento prevê a cobrança imediata de ressarcimento ao paciente com plano de saúde atendido nos hospitais universitários. Para ela, isso pode criar um esquema, em que funcionários do hospital vão preferir atender somente pacientes com planos de saúde para serem ressarcidos no ato da internação.
Atualmente, se por ventura os hospitais atenderem pacientes com convênio, é de responsabilidade da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruzar os dados do plano com os do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em seguida, ressarcir o hospital. “O problema é a interferência do hospital”, avaliou.
Fonte: Correio Braziliense