O Brasil não é mais o mesmo de 1960, e a maneira de os gestores organizarem a assistência precisa levar em conta esta nova realidade. A necessidade de mais financiamento é irrefutável, desde que seja atrelada uma visão atualizada de gerir os recursos.
Resumidamente, este foi o raciocínio dos palestrantes do segundo ciclo do seminário “Os desafios da saúde pública no Brasil”, realizado em 16 de setembro pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). Segundo o presidente do iFHC, Sérgio Fausto, realizar dois seminários sobre o mesmo tema, abordando as perspectivas financeira e de gestão, foi proveitosa. “Gostei de experiência e devemos repeti-la. E partimos da premissa de que a saúde precisa de mais recursos, mas que estes devem ser utilizados num novo modelo de gestão”, disse, na abertura do evento.
O presidente da FEHOESP e do SINDHOSP, Yussif Ali Mere Jr, participou como convidado.
Para Januário Montone, ex-secretário municipal da Saúde de São Paulo, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi, sem dúvida, uma conquista política e social para o país. Através dele, reduzimos índices altíssimos de mortalidade infantil, por exemplo, que chegavam a 124 mil por nascidos vivos em 1960. O mesmo avanço pode ser visto com a expectativa de vida, que era de 52 anos na década de 60, e chega a 73 anos nos dia atuais. “Mas ainda temos que avançar muito”, afirmou.
Embora a maioria dos sistemas de ponta esteja nas mãos da iniciativa privada, que possui atuação legítima garantida pela Constituição, o SUS também guarda suas ilhas de excelência, como a Rede Sarah, o Icesp, o Inca, entre outros. “Por que então o restante do SUS não funciona como esses serviços?”, questionou. Segundo ele, porque nenhuma dessas referências funciona efetivamente sob as regras do SUS. “A Rede Sarah, por exemplo, tem o mesmo status do Sesi e do Senai. Possui orçamento próprio. E não dá satisfação a ninguém. Pode contratar via seleção pública sem estabilidade”, citou.
A existência de fundações por trás de muitos desses serviços, e a exceção que lhes é atribuída no que diz respeito às regras administrativas, são fatores que contribuem para a eficiência dessas entidades. Na opinião de Gonzalo Vecina Neto, superintendente do Hospital Sírio Libanês, as alternativas que foram sendo criadas para melhorar a eficiência da gestão não conseguem ser aplicadas nem absorvidas pela administração pública. “Gestão é atingir objetivos através da mobilização de recursos. Recursos são coisas e gente, que dependem de licitações e concursos. A iniciativa privada não tem que fazer concursos nem licitação. E isso não quer dizer que ela não consiga melhores pessoas, melhores recursos e melhores coisas para exercer sua atividade”, comparou.
Para ele, é um milagre colocar um hospital de administração direta, que precisa seguir as regras engessadas da administração pública, para funcionar. Uma das regras absurdas, na opinião de Gonzalo, é a estabilidade dos trabalhadores concursados. “A iniciativa privada não dá estabilidade ao trabalhador. Esta relação tem que ser passível de demissão sem justa causa. Porque uma boa gestão não põe pra fora o trabalhador no qual investe”.
Segundo ele, a sociedade brasileira precisa decidir o que vem primeiro: o trabalhador que tem direito ao emprego ou a sociedade que tem o direito ao trabalho que aquela organização se propõe a entregar da maneira mais eficiente possível?
Os perfis demográfico e epidemiológico também impactam diretamente a forma de fazer gestão. Para o superintendente do Sírio, não fomos capazes de enxergar as transformações pelas quais a sociedade passou. “As doenças infectocontagiosas saíram da agenda. Não temos mais cólera, porque temos o cloro. A vacinação é uma conquista do povo brasileiro. Antes se morria de diarreia. Hoje se morre de hipertensão, de câncer, de diabetes e de violência. E como se trata a diarreia? Com uma consulta. Mas a hipertensão não tem alta. Nem o diabetes. A recomendação da Organização Mundial da Saúde, de um médico para cada mil habitantes, era boa para tratar tuberculose. É preciso um médico para cada 300 habitantes para tratar diabetes, além de um profissional diferente. Nós temos que nos assenhorar desse diagnóstico”, enfatizou.
No que diz respeito à forma de se prestar assistência, Gonzalo acredita que é preciso fazer com que a prestação de serviços saia das mãos do estado, e vá para os modelos de cooperação com a iniciativa privada. “A iniciativa pública tem que se responsabilizar pela entrega, e não pela prestação em si. Mas aqui no Brasil falar em cooperação significa privatização. Não acho que parceria seja privatização”.
A transparência nesse processo de parcerias entre público e privado foi defendida pelo advogado Paulo Modesto, que é professor de direito administrativo da Universidade Federal da Bahia. “Precisamos combater a qualificação política de entidades privadas pelo legislativo, que não leva em conta critérios objetivos. As entidades, por exemplo, devem divulgar seus resultados anuais e passarem por um controle mais eficaz, como a prestação de contas diretamente para os tribunais de conta”, sugeriu.