A relação entre os laboratórios de análises e patologia clínica e os seus compradores corporativos de serviços, ou seja, as operadoras de planos e seguros de saúde, sempre se caracterizaram pela unilateralidade de regras e decisões, do tipo "quanto pagam por meus exames?", ou "qual tabela voces pagam?", com consequente domínio da parte mais forte, incluída aí a falta de interesse, organização e capacidade de gestão da parte mais fraca. O lógico, como em toda a atividade mercantil ou de prestação de serviços, seria "meu serviço custa x".
Dessa maneira, a relação se efetivava, na maioria das vezes, sem contratos, apenas com "credenciamentos", que nada mais eram do que uma autorização, muitas vezes verbal, para poder atender os usuários, com o único intuito de faturar para poder se sustentar.
Quando houve a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, os proprietários de laboratórios sentiram, equivocadamente, diga-se de passagem, que enfim surgia alguém para "resolver seus problemas", que na época já existiam, embora em volume e consequências bem menores que hoje.
Essa esperança se deu, principalmente em razão da essência da criação das agências reguladoras, e a ANS é uma delas, que, a princípio, não teriam ingerência política, mas, sim seriam criadas baseadas em critérios técnicos.
Em 2003, surgiram as primeiras normas, na tentativa de regular essas relações, e pela primeira vez se falava em contratualização, o que acentuava a esperança dos laboratórios de que o problema seria resolvido, doce ilusão.
Com o passar do (muito) tempo, verificou-se que essas normas nunca foram cumpridas pelas operadoras, que sempre encontraram uma maneira de "cumprir" as normas à sua maneira e NUNCA abandonando a prática da unilateralidade já citada. Como se isso não bastasse, a ANS, criadora das normas, nunca exigiu o seu cumprimento, apesar de inumeras denúncias e apelos da parte mais fraca.
Para aparentar a intenção de regular, mais normas foram sendo criadas, também nunca cumpridas. Multas milionárias foram aplicadas, mas nunca pagas. Ameaças foram feitas, mas nunca efetivadas. Enquanto isso, centenas de pequenos e médios laboratórios foram sendo fechados, engolidos pelos grandes grupos, com consequente enfraquecimento do setor, com prejuizo evidente para o sistema de saúde como um todo, bem como para o mercado de trabalho.
Em todo esse período, até hoje, a única regra efetivamente cumprida pelas operadoras é a de reajuste dos valores de seus produtos, esses sim, regulados pela ANS, que estabelece um "teto" para esses reajustes. Apenas por curiosidade, alguém conhece um reajuste que ficou abaixo desse teto durante esse período?
Ocorre que, ao justificar esses reajustes, as operadoras sempre apresentaram como principal indicador a sinistralidade, na qual certamente estão incluídos os custos com serviços de laboratórios. No entanto, nesses 14 anos, JAMAIS foi repassado qualquer percentual de reajuste aos mesmos. A cada nova norma, surge sempre uma maneira de protelar seu cumprimento, e a cada nova discussão é colocada uma pá de cal sobre a anterior, como se tudo estivesse começando naquele momento.
Pois bem, mais uma vez estamos nesse momento, com o surgimento da Lei 13.003. Outra vez tivemos um breve momento de esperança, piois afinal de contas, é uma Lei e leis devem ser cumpridas, ou se não, discutidas na justiça, que é o foro adequado para isso. Esse breve momento acabou-se quando a ANS resolveu discutir TODOS os artigos da Lei, aliás, prerrogativa sua, instituida pela própria lei.
Novamente nos vemos as voltas com tentativas de deturpar o sentido da lei e protelar ações efetivas de correções das distorções nesse relacionamento, com propostas absurdas, algumas até de redução de valores para se iniciar o cumprimento da lei um ano após sua vigência.
Nas últimas oportunidades que tivemos de ouvir as partes envolvidas, principalmente a ANS, sentimos uma clara intenção de mascarar as ações, desviando-se do foco principal, que é o equilíbrio financeiro desse segmento.
Nesse momento, o pleito dos laboratórios, e entenda-se isso como sugestão para o Comitê da ANS que trata disso, deve ser a definição de um índice de reajuste imediato dos contratos, e esse comitê continuar discutindo os outros artigos da lei, pois corremos o risco de que essa Lei se torne mais uma RDC, ou RN, para não ser obedecida, como tantas outras.
Argumentos existem e sempre existirão para que isso não aconteça, por exemplo:
– Aumento do custo final para o usuário: ora, será que essas empresas poderosíssimas não conhecem as regras de mercado?? Será que só os laboratórios têm que se adaptar aos novos tempos, adequando suas despesas às suas receitas. Acreditamos que essas empresas tem muito mais capacidade para isso, principalmente contando com a intermediação da ANS.
– Descredenciamentos: isso não deve mais ser motivo para encerrar discussões, como tem acontecido há mais de 14 anos. Uma hora seria chegada de enfrentar esse fantasma. Essa questão também é resolvida pelo mercado, dos dois lados. Por um lado, os laboratórios devem entender de uma vez por todas que esse risco sempre existiu e existirá, e por isso precisam sempre atender os requisitos de qualificação e exigências do mercado cliente. Por outro lado, as operadoras têm perfeita noção de seu mercado e da necessidade de capilaridade e abrangência de sua rede credenciada. Os laboratórios também devem entender que, a persistir da maneira como está, o fim chegará mais rápido do que se tentarmos resolver e enfrentarmos os riscos.
– Verticalização : Isso já existe, e temos exemplos mal sucedidos e bem sucedidos disso. Não é uma discussão de valores que evitará que isso aumente ou reduza seus efeitos.
Assim, o que se faz necessário nesse momento é a união em torno de um objetivo, que é agir junto a ANS para que esse item reajuste seja efetivamente resolvido e inserido na regulamentação da lei, pois corremos o risco dessa discussão se arrastar muito alé desse 14 anos que já se passaram.
*Carlos Roberto Audi Ayres é presidente do Sindicato dos Laboratórios de An
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