Nem mesmo a sonhada estabilidade oferecida pelo serviço público é capaz de atrair profissionais para atuar nos hospitais e postos mantidos pelo governo local
Depois de três meses de trabalho exaustivo na emergência do Hospital de Ceilândia, o clínico Dalton Lanna desistiu da rede pública e pediu demissão. Para a pediatra Marina Salomão, a permanência foi ainda menor. No ano passado, ela foi aprovada em um concurso e começou a atender no Hospital de Sobradinho. Mas, depois de uma semana no pronto-socorro, ela abandonou o posto para se dedicar aos bem remunerados plantões em um hospital particular. Já a médica Fabíola Lamego preferiu nem tomar posse. Aprovada na última seleção, ela foi convocada para o Hospital Regional de Santa Maria, mas desistiu da vaga por conta da distância e do baixo salário. Os três casos ilustram um problema que atormenta as autoridades e, principalmente, os pacientes que sofrem com as filas nas unidades públicas de saúde: a falta de médicos. Dos 279 aprovados na última seleção, apenas 118 aceitaram trabalhar na rede. Ou seja, quase 60% dos profissionais aptos a atuar no sistema público dispensaram o cargo.
Apesar das recentes aberturas de editais para contratar profissionais, há poucos especialistas dispostos a trabalhar para a Secretaria de Saúde do DF. Com isso, o deficit de médicos não para de crescer. Algumas especialidades são consideradas críticas. Pediatras, neonatologistas, psiquiatras, clínicos, ortopedistas e intensivistas são profissionais cada vez mais raros nas unidades de saúde mantidas pelo governo. Dos 60 pediatras nomeados no último processo seletivo, por exemplo, apenas 36 tomaram posse. Como a maioria foi deslocada para o Hospital de Santa Maria, local considerado muito distante pela maioria dos candidatos aprovados, metade desistiu: apenas 18 estão em exercício. E o número de exonerações cresce a cada dia.
A pediatra Fabíola Lamego faz parte desse grupo. Interessada na estabilidade do funcionalismo público, ela concorreu a uma das vagas oferecidas. Passou no concurso e foi nomeada. Mas, ao saber que teria que trabalhar no Hospital de Santa Maria, desistiu. “Moro na Asa Sul e teria que percorrer uma distância muito grande todos os dias. O salário não compensaria esse esforço”, comenta. “Além disso, como há poucos médicos, os pediatras que trabalham no pronto-socorro ficam muito sobrecarregados. Não queria ter que segurar sozinha um plantão na emergência, como acontece muitas vezes com os colegas que trabalham lá”, justifica Fabíola.
Até mesmo a rede particular tem dificuldades para contratar pediatras, já que os novos médicos preferem fazer residência em especialidades consideradas mais lucrativas, como cardiologia e dermatologia. Assim, sobram poucos profissionais interessados no serviço público. O presidente da Sociedade Brasiliense de Pediatria, Dennis Alexander Burns, afirma que as condições de trabalho e a remuneração oferecida desestimulam os candidatos. “Embora o salário de Brasília seja o melhor do país, ainda não é o ideal. Alguns plantões de 12 horas em hospitais particulares rendem R$ 1,5 mil, então, em três dias de trabalho, o pediatra consegue mais do que o salário mensal de um colega que trabalha 20 horas semanais na rede”, comenta Dennis.
Sem material
A estrutura precária e a falta de medicamentos são problemas que afugentam os interessados em atuar no sistema público de saúde. A pediatra Marina Salomão abandonou o cargo no Hospital Regional de Sobradinho depois de apenas uma semana. Hoje, ela divide seu tempo entre a residência em neonatologia e plantões na rede particular. “Faltam seringas, sondas, materiais básicos para o médico trabalhar. Pacientes e colegas têm que juntar dinheiro para comprar produtos hospitalares e remédios. Tenho uma amiga que foi espancada por um paciente na UPA de Samambaia, por conta da demora no atendimento. Então, tudo isso assusta e desestimula os médicos”, justifica a pediatra.
O deficit de funcionários sobrecarrega os profissionais em atividade no sistema público e gera um círculo vicioso. Quem está fora não quer entrar na rede para escapar do excesso de trabalho e muitos dos que ainda resistem acabam sucumbindo à pressão e pedem demissão para ter uma vida mais tranquila. O pneumologista Dalton Lanna assumiu uma vaga de clínico no Hospital Regional de Ceilândia e logo se assustou com as condições de trabalho. “Muitas vezes, eu ficava sozinho no pronto-socorro e já vi muitos pacientes morrerem por falta de condição de atendimento. Isso é muito frustrante, não tem quem não fique desmotivado”, conta Dalton, que, depois de três meses, deixou o emprego. Hoje, ele trabalha em unidades particulares de Ceilândia e de Taguatinga. “A rede privada paga até cinco vezes mais e o trabalho não é tão exaustivo”, acrescenta o médico.
Gestão retomada
No início do ano, o governo local retomou a gestão do Hospital de Santa Maria, que havia sido terceirizada na gestão anterior. A unidade era controlada pela Real Sociedade Espanhola, que repassou a responsabilidade ao GDF em janeiro. Assim, a Secretaria de Saúde teve que contratar novos médicos para trabalhar no local. Até hoje, o atendimento é precário por causa da falta de profissionais.
Cirurgias comprometidas
A falta de médicos de algumas especialidades traz impactos em todos os setores dos hospitais públicos. Muitos cirurgiões ficam sem poder trabalhar, por exemplo, por causa do baixa número de anestesistas em atividade. Operações eletivas e até mesmo de emergência acabam canceladas quando não há médicos para preparar o paciente.
Dos 44 anestesistas convocados pelo governo no mês passado, apenas 19 tomaram posse. Mas, em apenas um mês, dois já pediram exoneração. O presidente da Sociedade de Anestesiologia do Distrito Federal, José Tadeu Palmieri, conta que muitos médicos aprovados desistiram da vaga porque foram designados para atender em locais distantes, como o Hospital de Santa Maria. Cerca de 80% dos aprovados acabaram deslocados para essa unidade. “A maioria queria trabalhar no Hospital de Base, alguns não aceitam mesmo atuar em hospitais da periferia, onde a demanda é muito grande. A questão dos salários e a falta de condições de trabalho também desestimulam os anestesistas a assumirem vagas na rede pública”, justifica José Tadeu.
O subsecretário de Atenção à Saúde, Ivan Castelli, afirma que o governo paga uma gratificação aos profissionais que cumprem expediente em áreas mais afastadas. Mas nem esse aumento no contracheque motiva os profissionais a assumirem vagas em hospitais afastados do centro. “Quem trabalha longe de casa ganha uma gratificação de movimentação, que pode chegar até a 20% do salário. Mas, infelizmente, temos dificuldades em encontrar médicos dispostos a trabalhar em hospitais das cidades mais distantes do Plano Piloto”, comenta Ivan Castelli.
Temporário com salário de R$ 14 mil
GDF pretende selecionar médicos por meio de um regime diferenciado de trabalho, com data para terminar. Medida, que visa reduzir o deficit de pessoal nas unidades públicas, é questionada pela categoria.
Para tentar reverter a falta de interesse dos médicos pela rede pública, a Secretaria de Saúde busca soluções que vão desde aumento de salário à criação de contratos diferenciados para servidores das especialidades com maior deficit. O governo pretende enviar à Câmara Legislativa um projeto de lei que prevê a contratação temporária de médicos das áreas com maior carência. Eles ficariam, no máximo, um ano na rede pública, sem direito aos benefícios dos concursados, mas com um rendimento estimado em R$ 14 mil por mês, por 40 horas semanais de trabalho. Hoje, um médico aprovad