Acadêmicos criam grupos para estudar um dos grandes desafios da saúde pública no Brasil: como tratar e prevenir o crescente número de pessoas acima do peso na faixa etária de 5 a 19 anos
Belo Horizonte – calorias, dietas, regimes, obesidade, colesterol, massa magra, percentual de gordura, emagrecer, engordar, diet, light. Essas palavras estão cada vez mais presentes no dia a dia da população brasileira, invadem as academias de ginástica e integram o repertório de muitos profissionais que prometem dicas milagrosas para manter o corpo em forma. Se entre os adultos a boa alimentação e a saúde ganham espaço na lista de prioridades, os profissionais das universidades antecipam a preocupação: os acadêmicos estão criando grupos de estudos e laboratórios para avaliar a obesidade em crianças e adolescentes, um dos grandes desafios da saúde pública brasileira.
As pesquisas têm fundamento em números: no Brasil, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava com peso acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 2008 e 2009, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os obesos representaram 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas nessa faixa etária. Os jovens de 10 a 19 anos com excesso de peso passaram de 3,7% (na década de 1970) para 21,7% (em 2009), e entre as meninas dessas idades o aumento do excesso de peso saltou de 7,6% para 19,4%, no mesmo período.
Os estudiosos são categóricos: a criança e o adolescente com problemas de peso já desenvolvem sérios problemas de saúde, como hipertensão e problemas cardiovasculares. E mais: têm grande chances de se tornarem adultos obesos. As estratégias para a mudança de comportamento devem ser feitas o mais cedo possível, pois quanto mais precocemente se instalam os hábitos não saudáveis, mais dificilmente são combatidos.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, o tratamento de crianças e adolescentes ganhou força há seis anos, com a criação do Ambulatório de Obesidade na Criança e no Adolescente, que acompanha pacientes de 3 a 20 anos. A unidade, que funciona no Hospital de Clínicas da instituição, já atendeu a cerca de 220 usuários e tornou-se fonte de estudos clínicos. Foram desenvolvidas na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp quatro dissertações de mestrado com foco na obesidade em crianças e adolescentes. Em Minas Gerais, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) também tem programa de atenção à saúde do adolescente, criado desde 1998 e com atenção especial aos garotos e às garotas de 10 a 19 anos.
Os pesquisadores mandam um aviso para os gordinhos – e os pais – que se acomodam no pensamento de que a genética não foi feliz com eles. As causas orgânicas ou genéticas (obesidade endógena) que evoluem para o excesso de peso representam algo em torno de 5%, sendo que a maior parte dos casos (cerca de 95%) é classificada como obesidade exógena, motivada por fatores ambientais, como alimentação inadequada e sedentarismo.
“É importante que as crianças sejam acompanhadas desde cedo, pois elas estão sendo hiperalimentadas precocemente. E temos visto hoje baixa frequência das mães na amamentação, pois as mulheres trabalham”, afirma Antônio de Azevedo Barros Filho, especialista em crescimento e desenvolvimento físico da criança e do adolescente e professor do Departamento de Pediatria da FCM/Unicamp.
Ele já orientou quatro dissertações de mestrado da universidade paulista. Os trabalhos analisaram as características do sono e da qualidade de vida em adolescentes obesos, o balanço energético em adolescentes com excesso de peso, o comportamento antropométrico de adolescentes durante o ano letivo e o período de férias e como as mães percebem esse problema em seus filhos. Esse último apontou um dado interessante. “As mães geralmente enxergam o filho da vizinha ou do colega de trabalho como obesos, mas olham os seus de outra forma. Os pais obesos, de forma geral, costumam aceitar isso no filho como normal”, observa o professor Barros Filho.
A conclusão da dissertação sobre alimentação em férias e ano letivo traz boa dica para os pais. É bom abrir os olhos durante os meses de dezembro, janeiro e julho, quando ocorrem as festas de fim de ano e as crianças ficam mais tempo em casa. “O trabalho acompanhou durante um ano e meio cerca de 400 pacientes de 10 a 13 anos. Detectamos que elas ganham mais peso nas férias do que no período escolar, pois ficam mais em casa, comendo e realizando pouca atividade física”, destaca Barros Filho.
Amamentação e família
A prevenção da obesidade deve começar desde o período da gestação. O alerta é da nutricionista e professora do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV Silvia Eloiza Priore. “Muitos estudos mostram que o problema da obesidade começa na gestação, aí a criança já nasce maior. É bom que a mãe não deixe de ganhar peso nem ganhe acima do recomendado”, diz. Ela ressalta ainda a importância da amamentação até os 6 meses do bebê. “Se ele não recebe leite materno, há chances maiores de ter peso errado, tanto para mais como para menos”, observa. No início da infância, acrescenta, é importante que sejam evitados alimentos semiprontos ou industrializados, ricos em açúcares e gorduras.
A família tem papel fundamental na mudança de hábito na alimentação das crianças, afirma a nutricionista Ermelinda Maria Leite Prado. Ela trabalha há 30 anos com obesidade infantil e destaca que os casos mais graves devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar: endocrinologista, psicólogo, educador físico e nutricionista. “Na grande parte dos casos, o problema ocorre em função da indisciplina dos pais. Há falta de critério na lista de compras e definição dos cardápios”, afirma. O exemplo, diz, é fundamental. “Como a mãe vai querer que o filho coma brócolis ou cenoura se ela própria não come?”, indaga Ermelinda.
A nutricionista destaca que a criança obesa nem sempre vai ser um adulto obeso, mas o adolescente tem grandes chances de passar a vida adulta acima do peso. “O número de células gordurosas vai ser definida até a puberdade”, diz. O adolescente Felipe Grego, 15 anos, é paciente de Ermelinda e tomou providências a tempo. Há cerca de um ano, ele estava se sentindo gordo, com dificuldades para fazer atividades físicas. Começou, então, um projeto de reeducação alimentar. No período, emagreceu cerca de 5kg e cresceu em torno de 10 centímetros.
Hoje, com 1,85m e 70kg, tem corpo saudável. “Passei a comer nos horários certos, mais vezes e em quantidades menores. Incluí mais frutas e proteínas no cardápio e diminuí os carboidratos. Foi mais uma mudança de hábito do que sacrifício”, conta Felipe. A mãe, a consultora Inês Castro, também teve uma experiência bem-sucedida com a reeducação alimentar. “Fui gordinha até os 11 anos de idade. Depois, emagreci e nunca mais voltei a engordar. Vi que o Felipe estava acima do peso e, por isso, procuramos ajuda da nutricionista.”
Fonte: Correio Braziliense