Confundida com depressão, transtorno bipolar ou loucura, a doença acomete 2 milhões de brasileiros. Geralmente, o caminho do diagnóstico é longo. Vínculo familiar é fundamental para o paciente
Belo Horizonte – Era um domingo de 1990. Ao chegar a sua casa, o filho que sempre gostou de bater papo com a família passou direto pelos pais, que estavam na sala. A mãe, a aposentada Vera Maria Mesquita Marques, 73 anos, ficou preocupada. “Fui atrás dele, mas ele não me escutou nem me deu atenção. Vi que ele suava e começou a não falar coisa com coisa”, relembra. Com a mudança de comportamento de Rodrigo Alberto Mesquita Marques, 45, veio o diagnóstico de esquizofrenia, que acomete 2 milhões de brasileiros. A moradora de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nunca tinha ouvido falar na doença.
Pesquisa realizada pelo Ibope com 72 famílias de pacientes com esquizofrenia em todo o Brasil mostra que a falta de informação não é exclusividade da mineira. Por desconhecer a doença, o caminho costuma ser longo até o diagnóstico e, muitas vezes, os sinais do problema são confundidos com as mudanças comuns da adolescência. A psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria, explica: “Quando começa a entrar na adolescência, a criança que era dócil fica rebelde, passa a não obedecer às normas, e isso também pode ocorrer na esquizofrenia, mas os sintomas são bem mais acentuados”. O paciente passa a se desinteressar pelo que gostava, tende a se isolar e ficar fora do convívio social e familiar, ao contrário do adolescente que, em geral, prefere viver em grupo.
Como não sabem o que está ocorrendo, as famílias demoram a pedir ajuda, o que só aumenta o sofrimento. “Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor, pois o paciente vai conseguir vencer a doença de forma mais tranquila. Torna-se mais fácil evitar uma série de consequências se a intervenção for feita no início”, alerta a psiquiatra. Gilda diz que o paciente medicado precocemente fica menos atormentado e adere melhor ao tratamento.
Os relatos colhidos por pesquisadores do Ibope apontam que muitos familiares se recusam a aceitar a doença, outra explicação para a demora de procurar um médico. A psiquiatra mineira observa que ainda existe a associação da esquizofrenia com o estereótipo de louco, que por muito tempo foi deixado à margem da sociedade. “Mas isso tem mudado. Todos os projetos terapêuticos hoje são pensados no sentido de incluir o paciente no vínculo social e familiar, diferentemente do que ocorria há 20 anos, quando ele era excluído com longas internações”, comenta. Gilda destaca que a estadia no hospital é importante, mas apenas em períodos de crise.
Apoio afetivo
A mãe de Rodrigo Mesquita também passou pela fase de não aceitação. “Fiquei quase um ano de mal com a vida. Não conseguia aceitar que um filho com um futuro brilhante, de uma hora para outra, visse tudo desmoronar”, conta. Até que Vera se deu conta de que o filho dependia dela para se tratar e deu a volta por cima. Não pôde abandonar o trabalho, mas ficou sempre à frente do tratamento. “A vontade era tanta de ver ele bem que resolvi correr atrás. Li muito sobre a doença e encontrei os melhores médicos”, conta.
Para Gilda Paolielo, o vínculo da família com o tratamento é fundamental. “Costumo falar que o psiquiatra consegue muito pouco sozinho. Então, desde o primeiro momento, a gente ajuda a família a entender as ‘esquisitices’ do paciente com esquizofrenia e orienta como ela deve lidar com isso”, pontua. Gilda reforça que os parentes não podem deixar de estimular o paciente a se tratar, porque, como ele perde o senso crítico, não acha que está doente e acredita fervorosamente nas alucinações. “A família precisa de um bom suporte, porque não é fácil lidar com o paciente. Tem que ter orientação médica e receber visitas domiciliares de um assistente social. É tudo muito angustiante.”
Os parentes ouvidos pelo Ibope revelam outra dificuldade: a financeira. A doença acaba tendo um forte impacto sobre as finanças da família, já que muitos cuidadores largam o emprego. Sem falar que o paciente também deixa de contribuir. “As políticas de saúde do governo são importantíssimas. Nos Estados Unidos, o cuidador tem autorização para se afastar do trabalho para cuidar do paciente, mas aqui não existe isso. Se a pessoa tira licença, é sem remuneração. Isso tem que ser mudado, pois é um absurdo”, opina a psiquiatra mineira. O tratamento de esquizofrenia não fica por menos de R$ 1 mil por mês.
Vera diz que convive muito bem com a doença do filho. “Aprendi a lidar com o Rodrigo. Interpreto o olhar dele, se está agressivo nem me aproximo. Sei a hora de conversar e de me calar. Quando ele muda de comportamento, corro para o psiquiatra”, conta. Certa de que o apoio da família é fundamental, a aposentada revela, feliz, que os parentes se uniram ainda mais para enfrentar a esquizofrenia. É uma alegria quando ela, o filho, a neta e três bisnetos se encontram para bater papo.
Fonte: Correio Braziliense