São Paulo começa a enfrentar o crack

Fabiana Ramos, 35 anos, segurava firme o envelope desgastado pelo uso. Nele levava a documentação acumulada ao longo dos anos na tentativa de internar o filho, de 22 anos, dependente de drogas.

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O estado se alia ao judiciário para apressar o julgamento de casos que precisam de internação compulsória, um passo concreto para ajudar os viciados

Fabiana Ramos, 35 anos, segurava firme o envelope desgastado pelo uso. Nele levava a documentação acumulada ao longo dos anos na tentativa de internar o filho, de 22 anos, dependente de drogas. “Ele diz que não usa crack, mas a gente sabe que sim.” Ela esperava, apreensiva, por uma decisão do juiz Iasin Ahmed, que faz parte da equipe de profissionais do Poder Judiciário instalada desde a segunda-feira 21 no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Saúde de São Paulo, para agilizar internações, solicitar leitos e autorizar o deslocamento de equipes médicas e ambulâncias. Poucas horas depois, ela seria a primeira pessoa a conseguir a internação compulsória do filho, segundo o governo do Estado e a Secretaria de Saúde – uma informação contestada pelo Tribunal de Justiça (TJ). No mesmo dia, uma ambulância foi à sua casa, na zona leste da capital, mas não teve sucesso. “Meu filho ficou muito violento, começou a ameaçar a namorada com uma faca. Chamei a polícia, mas ela não veio”, afirma Fabiana. “Para não acontecer o pior, assinei um papel desistindo da internação.”

A esperança de Fabiana de internar o filho dependente de maneira compulsória, comum entre as pessoas que lotaram as instalações do Cratod ao longo da semana passada, foi alentada pela decisão do governo do Estado de facilitar essa modalidade de internação, prevista na Reforma Psiquiátrica de 2001 e que acontece apenas por ordem da Justiça, sem o consentimento do paciente. A partir do trabalho conjunto entre o governo paulista, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público e o TJ, os casos são avaliados e julgados depois da análise de um médico. “Queríamos criar um espaço onde profissionais da Justiça e da Saúde pudessem trabalhar com o mesmo público, de modo a organizar o atendimento e atuar dentro da legalidade”, diz Rosângela Elias, coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde.

Como mostra a história de Fabiana, no entanto, concretizar o ambicioso objetivo de tratar e reinserir os dependentes químicos na sociedade não é tarefa fácil. E, justamente por colocar representantes de tantos órgãos e pastas em um mesmo lugar, o atendimento ainda parece complicado para quem recorre ao Cratod. Quando o familiar está sozinho, alguém avalia a necessidade de repassar o caso à promotoria. Se quem vai ao centro é o dependente, ele é atendido por um médico e, se necessário, permanece em um dos dez leitos do centro. O caso é então repassado à promotoria e à defensoria, que o apresentam ao juiz. Havendo decisão pela internação, uma ambulância da Secretaria da Saúde leva o paciente ao hospital ou à residência terapêutica em que haja uma vaga. Hoje o Estado conta com 691 leitos para dependentes químicos – o governo anunciou que, diante da grande procura, esse número deve saltar para 757 nas próximas semanas.

Apesar da grande procura, a equipe que atua no programa ressalta que a internação compulsória será exceção. “A iniciativa não é para internar ou não. É para garantir direitos”, diz o juiz Samuel Karasin. Outra preocupação das instituições envolvidas é não repetir as cenas de violência que marcaram a intervenção da polícia militar na chamada “cracolândia”, há exatamente um ano. “O Estado nos garantiu que os policiais não se envolveriam nas abordagens”, diz Cid Vieira, presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas da OAB, referindo-se às rondas feitas pelos 50 agentes da Missão Belém, que desde dezembro trabalham em parceria com o governo estadual. A metodologia também difere bastante da que vem sendo aplicada no Rio de Janeiro desde maio de 2011 e que já resultou na internação compulsória de 256 crianças e adolescentes. A prefeitura carioca chegou a anunciar um programa para a internação de adultos há três meses, mas ele ainda não foi implantado.

A prioridade em São Paulo, portanto, continua sendo a internação voluntária e involuntária – que diverge da compulsória, por partir do pedido de um familiar com respaldo de um médico. Nesses casos se enquadra Everson Neves, de 33 anos, que pediu ao pai Valter Neves, de 62 anos, para levá-lo ao Cratod. “A gente viu na tevê que essas portas estavam se abrindo e resolveu vir.” Para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, os casos de internação voluntária devem sempre prevalecer e o aparato montado pelo Judiciário subverte essa lógica. “A internação compulsória deve ser usada depois de esgotadas todas as possibilidades, como os atendimentos ambulatoriais”, afirma. Respondendo às críticas, Cid Vieira afirma que a internação compulsória não deve ser o único caminho, mas justifica a posição do Judiciário com uma anedota: “Se um salva-vidas vê um indivíduo morrendo, ele não pergunta se ele quer ser salvo antes de efetivamente salvá-lo”.

Fonte: Isto É

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