Por RAFAEL GARCIA com colaboração de JOHANNA NUBLAT
Uma portaria do Ministério da Saúde que regulamenta a oferta de aconselhamento genético por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) está recebendo críticas de geneticistas não médicos, que ficam impedidos de oferecer o serviço a partir de agora.
Pacientes que querem entender riscos dos males hereditários, suas consequências e as opções para lidar com situações que eles impõem precisam recorrer a um geneticista formado em medicina.
As críticas ganharam força há uma semana quando a bióloga Mayana Zatz, da USP (Universidade de São Paulo) –uma das mais conhecidas especialistas do país em genética humana–, acusou o ministério de estrangular a demanda por serviços de saúde na área de genética.
“Existem mais de 6 milhões de pessoas com doença genética no Brasil e apenas 160 médicos geneticistas”, diz a cientista. “Não é difícil prever que, com essa limitação, a grande maioria das famílias com doenças genéticas não terá acesso ao aconselhamento genético.”
Segundo Zatz, a portaria exclui “milhares de cientistas com doutorado em genética humana” que já vêm oferecendo o serviço.
Sérgio Pena, médico geneticista da UFMG, diz que não vê problema em outros profissionais de saúde fazerem aconselhamento, desde que diagnósticos continuem sendo prerrogativa de médicos.
O governo afirma que a portaria não restringe, mas amplia a atenção a doenças raras, pois institui o serviço como procedimento bancado pelo SUS. Até então, segundo José Eduardo Fogolin, coordenador da área no ministério, o aconselhamento genético era feito só em centros universitários, tendo a pesquisa como finalidade.
O ministério prevê um segundo momento em que outros profissionais possam realizar o procedimento. Fogolin nega que o número de médicos geneticistas seja um gargalo para o aconselhamento e diz que o SUS pode vir a oferecer o serviço em todas as regiões do país.
SETOR PRIVADO
Uma outra norma para serviços de genética em saúde atrai reclamações de médicos. Aqueles que possuem registro no CRM, mas não são especialistas em genética, não poderão mais assinar pedidos de exame de DNA.
A ANS (Agência Nacional de Saúde) determinou que isso passa a ser exclusividade do médico geneticista. Planos de saúde podem recusar, por exemplo, um pedido de exame de síndrome de Huntington feito por um neurologista, ainda que a doença seja um mal do sistema nervoso.
“Não sei se as seguradoras querem evitar bancar esses exames, que são muito caros”, diz Thomaz Gollop, geneticista-obstetra da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Ele vê risco de “elitização” do serviço sob a nova regra.
OUTRO LADO
A presidente da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica), entidade consultada pelo governo para a elaboração das novas regras do setor, nega que a motivação para as mudanças tenha sido o corporativismo de médicos dessa especialidade.
“Vemos com muito bons olhos os outros profissionais, desde que tenham o treinamento adequado”, diz Lavinia Faccini, médica geneticista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O que a SBGM não concorda é que, por exemplo, biólogos que têm mestrado ou doutorado em genética sejam automaticamente considerados capacitados para fazer aconselhamento genético.”
Quanto à norma da ANS que restringe exames, Faccini diz que é um meio de evitar pedidos “desnecessários”. Para ela, o médico geneticista pode atuar só como consultor nesses casos, sem precisar examinar pacientes. “Isso tem funcionado bem em planos de saúde que têm um geneticista encarregado de ver os pedidos que vêm dos médicos e dizer se são adequados ou não”, diz.