Entidades criticam a Anvisa por adiar a votação que pode proibir a adição de açúcares e flavorizantes ao fumo. Parlamentares fazem lobby pró-indústria tabagista, sob o argumento de que a medida afetaria cerca de 300 mil agricultores familiares no Sul do país
Entidades médicas e órgãos regionais, liderados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), protocolaram ontem uma carta na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) protestando contra a decisão tomada pela agência reguladora de adiar a votação da resolução que proíbe a adição de açúcares e flavorizantes, como o mentol, na produção de cigarros. A sessão para definir a questão está marcada para a próxima terça-feira.
No documento, eles afirmam “perplexidade” e “inquietação” com o posicionamento do órgão federal e revelaram preocupação com as futuras deliberações conduzidas pela agência. “Não é admissível que uma agência do porte da Anvisa – que possui corpo técnico altamente qualificado – possa dispensar as sólidas evidências científicas e basear sua decisão na contramão dos interesses da saúde da população”, diz trecho do manifesto, assinado pela Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Academia Nacional de Medicina (ANM), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).
A Anvisa tem sofrido pressão de todos os lados. Em entrevista ao Correio, o diretor da agência José Agenor Álvares da Silva revelou que a indústria de cigarro, por meio da articulação de parlamentares, tem intensificado o lobby no governo desde o início das consultas públicas, em novembro de 2010. Segundo ele, na ocasião, a Anvisa foi chamada para uma série de reuniões na Casa Civil. “O governo, que ratificou o acordo internacional da Convenção Quadro de Controle ao Tabaco, não pode aceitar qualquer tipo de interferência desse setor nas decisões e tampouco nas negociações. Já enfatizamos que era papel da Anvisa regulamentar os produtos derivados de tabaco. Isso é lei”, relata o diretor.
Apesar do posicionamento de Agenor, parlamentares da bancada sulista estão dispostos a vencer o embate. Para isso, eles tentam se aproximar cada vez mais do presidente da Anvisa, Dirceu Barbano. O deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), inclusive, chegou a convidá-lo para conhecer as plantações de fumo e as fábricas de cigarro na Região Sul do país. O presidente do órgão aceitou, mas ainda não tem data para viajar. Nas últimas semanas, Heinze fez vários apelos para que o presidente da agência reguladora concedesse mais tempo para a discussão. “Pedi para o Barbano nos ouvir. Eles não conhecem o processo, falam só de bibliografia. Como vai julgar sem conhecer o processo? É uma insanidade”, critica.
Além de Heinze, Barbano se reuniu com um grupo de parlamentares horas antes da votação da Anvisa, realizada em 14 de fevereiro. No gabinete da senadora Ana Amélia (PP-RS), ele ouviu os argumentos dos deputados federais Alceu Moreira (PMDB-RS), Jerônimo Goergen (PP-RS) e Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). Ao votar pelo protelamento da decisão, Barbano afirmou que o documento da Anvisa precisava de esclarecimentos. Porém, segundo José Agenor, esse debate está na agenda regulatória da agência desde 2009. “Passamos todo 2010 trabalhando essa legislação e tivemos um ano inteiro de consultas públicas”, ponderou o diretor.
No discurso padrão dos parlamentares, eles afirmam não ter qualquer relacionamento com as empresas de cigarro. Segundo eles, o compromisso é com as famílias de pequenos agricultores que dependem inteiramente da renda obtida em contratos com a indústria. “Há uma mobilização e um engajamento forte dos parlamentares para que o governo se sensibilize com a situação dessas pessoas”, afirma o deputado Peninha. Na opinião do deputado Heinze, o governo precisa ter uma posição mais firme, principalmente diante da crise mundial de empregos. “Essa questão hoje não tem alternativa. A pobreza rural já afeta mais de 3,7 milhões e o governo não consegue ajudar. Imagina se outras 300 mil famílias que plantam fumo ficam sem renda?”, argumenta. A indústria tabagista movimenta, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil, cerca de R$ 16 bilhões ao ano no país.
Impasse
No último dia 14, a Diretoria Colegiada da Anvisa se reuniu para votar a resolução que proíbe o uso de aditivos no tabaco. A direção chegou ao consenso de que os aromáticos deveriam ser vetados, mas a questão da adição de açúcar gerou o impasse que adiou a decisão. O carboidrato é utilizado em um tipo específico de fumo produzido por mais de 50 mil famílias brasileiras. A resolução permite o ingrediente por um prazo de 12 meses após a aprovação do texto, tempo para as famílias se adequarem e para a agência decidir a proibição definitiva.
Fonte: Correio Braziliense