A proibição do uso de aromatizantes será analisada no próximo mês. Antes da reunião para definir a medida, o presidente da agência se reuniu com parlamentares contrários à resolução
A pressão da indústria do fumo e dos parlamentares da bancada sulista, muitos associados às empresas de tabaco, surtiu efeito e fez com que os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recuassem. Por três votos a um, a votação sobre a proibição do uso de ingredientes como canela, menta e cravo nos cigarros consumidos no Brasil foi adiada para março. O presidente da agência reguladora, Dirceu Barbano, alegou ter dúvidas em relação ao texto, apesar de ter tido mais de dois meses para analisá-lo. O diretor José Agenor Álvares da Silva contestou a justificativa, alegando que o assunto está sendo debatido há cerca de três anos.
Na manhã da votação, os deputados federais Alceu Moreira (PMDB-RS), Jerônimo Goergen (PP-RS), Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) e a senadora Ana Amélia (PP-RS) se reuniram com Barbano. Segundo Goergen, os parlamentares pediram mais tempo ao presidente da Anvisa para garantir um cronograma estruturado de transição na produção do cigarro. “Há hoje uma intranquilidade no setor, pois teríamos uma perda grande na cadeia produtiva e, com isso, teríamos muitos prejuízos. É preciso uma decisão um pouco mais construída”, argumentou o deputado. O pedido de tempo também foi feito à Anvisa pelo diretor-secretário da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) e presidente da Câmara Setorial do Tabaco, Romeu Schneider. “Não podemos inviabilizar o setor”, ponderou.
Para derrubar a resolução, um dos argumentos usados pelos políticos é de que esse tipo de medida pode impactar a sobrevivência financeira de mais de 50 mil famílias que vivem da produção de fumo nos estados do sul do país. Porém, segundo o consultor do Departamento de Estudos Sócioeconômicos Rurais (Deser) Albino Gewehr, a proibição dos ingredientes não teria influência na vida dessas pessoas.
“A indústria defende isso porque é o único instrumento de pressão que ela tem. Na verdade, o que os produtores precisam é que o governo crie incentivos para apoiar programas de diversidade agrícola”, esclarece. Segundo o consultor, uma pesquisa feita pela Deser no ano passado mostra que 73% dos agricultores afirmam ter vontade de diversificar a produção.
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Sul) afirmou ser favorável à retirada de aromatizantes do cigarro. Segundo o coordenador-geral da entidade, Celso Ludwig, é preciso criar políticas públicas imediatas para a transição produtiva dos agricultores. “Não é possível continuar produzindo algo que sabemos que mata, mas, ao mesmo tempo, precisamos garantir a renda dessas pessoas. Estamos trabalhando no convencimento do trabalhador para que ele saia da cadeia produtiva. Para isso, é preciso estabelecer metas para parar de produzir fumo”, avalia. Presidente da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Paula Johns, acredita que a discussão nada tem a ver com os fumicultores. “Fica claro o interesse de quem os deputados estão defendendo”, critica.
Vanguarda
Se proibir o uso de aromatizantes, o Brasil será o primeiro país a banir o mentol dos cigarros. Segundo o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), o Canadá foi o único país que baniu o açúcar, já que não utiliza o ingrediente em sua produção. A discussão proposta pela Anvisa engloba ingredientes como o mentol e a canela. No início do debate, o açúcar fazia parte do pacote de proibição imediata, mas foi retirado porque o cigarro mais consumido no Brasil tem o procedimento diferenciado de uso do produto. A intenção da agência e retomar o debate sobre a proibição do açúcar depois de resolver o caso dos outros aromatizantes.
Único voto favorável na reunião de ontem sobre o tema, a diretora Maria Cecília Brito ressalta que a agência estava preparada para decidir a restrição. É dela a proposta de retirada do açúcar da lista de proibições. De acordo com a assessoria de comunicação da Anvisa, a resolução do órgão é baseada em mais de 105 estudos de organizações mundiais de saúde, além de artigos científicos de especialistas. A falta de embasamento científico também é um dos argumentos utilizados pela indústria do tabaco contra a proibição do uso de aromatizantes.
Açúcar reposto
O açúcar é um dos principais ingredientes para a fabricação do fumo mais consumido no Brasil, o burley. Na secagem desse tipo de folha, o tabaco perde o açúcar, o que faz necessária a adição do componente. De acordo com o diretor da Anvisa, José Agenor Álvares, o açúcar usado nessa categoria de fumo ajuda a potencializar a nicotina e a induzir à dependência, além de disfarçar o amargo do tabaco.
PANORAMA
30 milhões – Quantidade de fumantes no Brasil
3% – Fatia do mercado de cigarros mentolados no país
185 mil – Número de pequenos produtores rurais envolvidos no plantio e na colheita do fumo na Região Sul, que concentra a atividade no país
Fonte: Correio Braziliense