O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abrirá sindicância para investigar o suposto envolvimento de médicos do Serviço de Verificação de Óbitos, entidade ligada à USP, num esquema de venda ilegal de órgãos para pesquisa médica.
Como a BBC Brasil revelou o caso está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo.
A informação foi adiantada com exclusividade pelo presidente do conselho, João Ladislau Rosa. "A abertura da sindicância será aprovada formalmente amanhã, mas já posso adiantar que ela acontecerá", afirmou Rosa.
Segundo o médico, o objetivo da investigação é verificar eventuais infrações no código brasileiro de ética médica. "Não temos registro de nenhuma sindicância parecida com essa em São Paulo, relacionando instituições como o SVO a tráfico de órgãos", afirma.
À reportagem, o médico Luiz Fernando Ferraz da Silva, diretor do SVO e professor da Faculdade de Medicina da USP, afirmou que ainda não foi oficialmente notificado da sindicância do Cremesp.
"Estaremos à disposição do Conselho para todos os esclarecimentos necessários", disse.
Procurada pela reportagem após a divulgação do caso, a USP afirmou, em nota, que "por conta da autonomia das Unidades de Ensino e Pesquisa, a apuração dos fatos deve ser feita no âmbito do próprio SVO, que está ligado ao Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina e possui seu próprio diretor".
Já a Faculdade de Medicina da USP disse, também por meio de nota, que "o SVO é uma entidade independente da Faculdade e faz parte da Universidade de São Paulo".
Direto a defesa
De acordo com Rosa, as penas aplicáveis vão desde advertências aos médicos responsáveis, no caso de infrações leves, até a suspensão e cassação da licença de exercício profissional.
"O tipo de pena é discutido no momento do julgamento, que só acontecerá se surgirem provas contra os médicos", diz o presidente do Cremesp.
Ele afirma ainda que "os médicos podem recorrer em todas as instâncias, respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa" – o que significa, em termos leigos, que os investigados têm direito a serem ouvidos e a se defender durante a investigação.
Rosa afirma que o primeiro passo será ouvir os responsáveis pelo SVO, assim como visitar e investigar suas instalações. "Também solicitaremos informações ao MP. A partir daí tudo será encaminhado e deverá correr em sigilo", explica.
Entenda o caso
Em entrevista à BBC Brasil na semana passada, a diretoria do SVO afirmou que "trabalha dentro da lei" e que "todas as informações que forem solicitadas pela promotoria do Ministério Público, sobre qualquer investigação, serão diretamente encaminhadas a eles".
A Promotoria não tem certeza sobre a finalidade da suposta venda de órgãos, que teria sido denunciada nos depoimentos de duas testemunhas ao MP. Até agora, a investigação aponta que eles seriam vendidos para uso em pesquisas – e não para transplantes.
Como a BBC Brasil revelou, a Promotoria investiga se o SVO, que fica dentro do Hospital das Clínicas, seria omisso na busca por familiares de pessoas que morreram sem amigos ou parentes por perto.
De acordo com as denúncias, sem pedir autorização às famílias, o SVO extrairia e venderia órgãos ilegalmente para uma rede de instituições de pesquisa e atendimento médico.
Entidade estadual, o SVO é responsável por identificar, por meio de autópsias, as causas de mortes naturais de pessoas desacompanhadas – em geral ocorridas nas ruas ou em hospitais públicos – na cidade de São Paulo.
#SalaSocial
A BBC Brasil descobriu esta investigação a partir de uma petição online que circulava nas redes sociais.
Publicado no site Change com o título "Parem de enterrar pessoas com identificação como indigentes!", o abaixo-assinado foi o ponto de partida para um quebra-cabeça envolvendo pessoas não-identificadas, SVO, USP e Ministério Público.
O que começou como uma reportagem sobre a repercussão da petição nas redes sociais para o #salasocial, projeto da BBC Brasil que levanta historias a partir das redes sociais, se tornou um furo de reportagem com repercussão internacional.