Levantamento feito com base da Lei de Acesso à Informação constatou que estavam parados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no fim do ano passado, nada menos que 1.213 pedidos de registro de importação de remédios não produzidos no País ou de equipamentos médico-hospitalares.
Foi preciso que associações ligadas à área de saúde recorressem à Justiça, que lhes concedeu liminares em dois processos, para que pudesse ser feita a aquisição, no exterior, de medicamentos de necessidade urgente ou de instrumentos mais modernos para equipar hospitais, laboratórios e centros de saúde. As decisões judiciais amenizaram, mas não acabaram com a fila de espera para obter a certificação do órgão para proceder à importação de produtos que incorporam tecnologia de ponta, criando um gargalo no avanço da medicina.
O acúmulo de pedidos em atraso começou com uma resolução de maio de 2010 da Anvisa, segundo a qual as autorizações para importação de medicamentos ou equipamentos médicos só poderiam ser concedidas depois de uma inspeção por funcionários do órgão nas fábricas dos produtos no exterior. A alegação era de que, para cumprir os requisitos da legislação brasileira, os fiscais da Anvisa tinham de verificar “in loco” se os insumos usados na produção dos remédios estavam armazenados em locais com temperatura adequada, se os funcionários usavam ou não luvas e aventais no manuseio e se as linhas de fabricação obedeciam a determinados padrões. Tudo isso deveria ser feito, segundo a Anvisa, para assegurar o “controle de qualidade”.
Não parece que essa resolução tenha sido tomada só por excesso de zelo com relação à saúde dos brasileiros. Graças à exigência, os funcionários destacados para essa função têm viagens pagas ao exterior, recebendo diárias pelo tempo que permanecem fora. O custo é arcado pelas companhias importadoras privadas, e cada inspeção fica em torno de R$ 37 mil. O pior, no entanto, é que esse turismo pretensamente fiscalizador toma muito tempo. Não só é preciso que haja fiscais qualificados em número suficiente para fazer as vistorias, como eles devem elaborar relatórios sobre suas visitas, os quais devem seguir todos os trâmites burocráticos até serem aprovados, se o forem.
Na realidade, a Anvisa instituiu uma “barreira comercial”, como afirmou o desembargador Carlos Muta, do Tribunal de Justiça Federal, da 3.ª Região, que concedeu liminar em agosto em ação relativa a um pedido de registro para importação feito pela Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial. “Não houve demonstração pela agravante (Anvisa) de que os requisitos adotados por outros órgãos internacionais estejam aquém daqueles exigidos pela autoridade sanitária brasileira”, afirmou Muta, conforme o jornal Valor (30/10).
Convém lembrar que, além de haver normas internacionais para a produção de artigos médicos, os produtos importados vêm de países desenvolvidos, que têm suas próprias agências reguladoras, encarregadas de testar medicamentos e de fiscalizar a produção. Se dúvida houvesse sobre determinado processo, a Anvisa poderia facilmente consultar órgãos congêneres desses países.
Além disso, há produtos que têm certificação internacional e poderiam prescindir da autorização específica da Anvisa. Em parte, esse critério foi aceito pela Justiça para pedidos parados na Anvisa há mais de seis meses, objeto de ação movida pela Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos Médico-hospitalares (Abimed).
Pode-se aceitar que haja supervisão sobre a importação de remédios ou equipamentos médicos, mas ela poderia perfeitamente ser feita por amostragem, devendo a Anvisa proceder a investigações no caso de suspeita de importação irregular ou concorrência desleal de produtos já fabricados no País. O que não se concebe é que, com o dinamismo da evolução da ciência médica nos dias de hoje, a Anvisa adote procedimentos que tolhem ainda mais a iniciativa privada na área de saúde no País.
Fonte: O Estado de S. Paulo, editorial de 03/11/2013